terça-feira, 23 de março de 2010

A arte e o amargo.

O sol enxia o carro com aquele bafo quente esmagadoramente sufocante. As exageradas dez horas da manhã me estorricavam as mãos enquanto guiava em direção ao eixo dos monumentos brasileiros mais famosos, agora em reforma. Saindo de uma das asas do avião, logo mais um sinal. Vermelho, sim, era meu dia de sorte. E já aparece um homem, corpo moreno, sujo carvão, atravessando a faixa com três varas de fogo nas mãos e parando antes que chegasse à calçada do outro lado.

Começou o show, jogando bem alto uma das varas e, ao retorno breve da peça, iniciou o vaivem do fogo entre as mãos. E mais uma jogada para o alto, enquanto o malabarismo continuava e mais uma pegada, desta vez, falha. E o homemcarvão esticou a mão queimada sem fazer careta e logo pegou a vara caída com os pés, num hábil movimente e reiniciou, com mais presteza, mais rapidez e mais beleza do que antes. Mas não deu tempo de esticar o chapéu e receber o que era dele por direito. Por direito, sim. Algumas pessoas fazem arte para sobreviver. Fazemos arte para sobreviver, porque somos feito dela. Nascemos dela e a ela retornaremos e permaneceremos até o fim dos dias.

E atrapalhando o trânsito, fiz questão de fazer juz às tantas queimaduras na pele rústica. Peguei a minha preciosa moeda de um real, que não sai de mim nunca, porque era a única coisa que tinha e coloquei dentro do chapéu do homem. Ele disse alto, com um sorriso grato: "OBRIGADA, senhorita". E gritei, porque já havia arrancado, "continue fazendo arte!".

E continuei a queimar as minhas próprias mãos no carrinho 1.0 até chegar em casa. Minha casa, fresquinha e confortável, uma cama preguiçosa pra deitar.

Logo pego no sono.



E, como o malabarista, me percorre e me corrói a arte por dentro.
E sonho com o chapéu, a borracha dos pneus.

O homem carvão sou eu.
Mesmo que com carvão ou fogo não esteja mexendo.
Mas essa é outra história.
Amarga como ela só.

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