quarta-feira, 29 de junho de 2011

À distância.

- Mas ele tem pêlos.
- Eu daria tudo por aquela bola de pêlos aqui do meu lado.
_______________________________________________________

Todo mundo já sentiu o coração apertar como se fosse envolto por mãos fortes o tempo inteiro. Nunca entendi a relação física e química entre corpo e sentimento, batimentos cardíacos, amor, ciúme, compaixão. Nem cheguei perto de querer entender, sabia que sentir bastava. E aqui estão mente e corpo lutando entre si para seguir com passos firmes nas calçadas íngremes e esburacadas de uma grande cidade.

Todo mundo já riu sem entender de pessoas falando sobre os defeitos de outras. Alguns defeitos começam a parecer qualidades e tudo que possa mudar essas qualidades agridoces parece ser errado, invasor, equívoco, hilário. É quando os pêlos se tornam macios; o suor, refrescante; a saliva, a escada para o paraíso; os lábios ávidos, o ápice do carinho. As pernas tortas sempre foram um charme, os olhos escuros um suspense a desvendar, as mãos grandes cheias de calo um conforto no cabelo ralo. A postura... de um príncipe particular. O sorriso sem encaixe a oitava maravilha do mundo. E outras coisas bem cafonas que gosto de ressaltar com muita doçura nas minhas lembranças.

Todo mundo já sentiu pelo menos uma vez na vida o gosto de sonhar com um romance épico. Todo mundo já pegou um avião querendo que alguém tivesse se interposto entre as máquinas de raio-x e o portão de embarque. Todo mundo já desembarcou achando que do outro lado da esteira de bagagens alguém estaria aguardando. Todo mundo já viajou de ônibus, avião ou carro querendo uma mão para segurar quando a coisa ficasse feia. Alguém para compartilhar o terço, o anjo, o sinal da cruz, a oração.

Todo mundo já imaginou onde gostaria de se casar e como gostaria que a pessoa que dissesse sim fosse. Todo mundo já sentiu o mundo desabar quando todos os planos de tantos anos a frente foram deixados no passado e que não tornariam a se reerguer nem por um decreto. Todo mundo já viu o romance ceder, o amor acabar, o fogo apagar, o cupido errar, o respeito ir por água abaixo, o mal tomar lugar, o fim vencer. Todo mundo já viu. Alguns por alguns momentos, outros de uma forma diferente, muitos já sentiram várias vezes, mas essa é a minha primeira vez.

Eu ainda não aprendi a não esperar uma ligação no final do dia ou no início do outro. Ainda não aprendi a como esperar que outra pessoa possa ser melhor ou igual ou semelhante ou diferente, nem consegui pensar em outra pessoa ainda. Ainda não aprendi a separar a razão do fim e o fim da razão, não sei como beber água sem ouvir a voz que sempre sorria ao me ver com um copo na mão. É triste, eu sei, estou escrevendo sobre isso e provavelmente não publicarei. Mas é verdade e raramente escondo minhas verdades. Eu bem tento, É VERDADE. Mas é verdade também que nunca tenho sucesso. É verdade, todo mundo sabe, por que esconder, então?

Deixa estar... todo mundo já viu tudo isso acontecer, mas essa é a minha primeira vez. E vejo beleza nisso tudo. Tantos erros que vou deixar de cometer, tantas vidas vou deixar de atazanar porque aprendi, aliás, ainda não. Estou aprendendo.

Todo mundo sabe como é cafona e antiquado falar de amor. E eu, deselegantemente, me descasco sem dó. Já está tudo no passado mesmo. Tem que ficar no passado, eu me repito todos os dias, mas todos os dias olho minha caixa de e-mail procurando um nome específico, espero uma mensagem ou, ACREDITEM, olho minha caixa de correio descartando as contas a primeira vista. Sei que é o melhor para mim estar aqui, viver aqui, mas iria para qualquer outro lugar se assim fosse pedido. Todo mundo sabe como o amor tem uma mágica indecente de querer nos tatuar, nos mudar, nos marcar, machucar, fazer sacrifícios econômicos ou de necessidade básica como comer ou ir ao banheiro.

Todo mundo sabe como é adiar aquele xixi para ficar alguns minutos a mais no telefone. É feio dizer, mas estaria mentindo se dissesse que assim não foi. E mesmo quando os anos passaram tão rápido que não parecem anos e sim meses é que a gente pára pra pensar no que foi ruim e no que valeu a pena. E pensa que queria voltar no tempo e fazer tudo de novo para ser perfeito desta vez. Para não poder reclamar, não sentir ciúme, não brigar, não jogar os sapatos pro alto, não se jogar para a parede e se cortar na janela. E tenta pensar que não pode ser assim, que não pode ter terminado assim e pára pra ver que a gente fez com que tudo fosse assim. Nem de tudo foi minha culpa, mas a maioria, talvez? E pensa no quanto quer ser melhor, no quanto quer crescer e quer se dar um tempo, mas sabe que tempo de ninguém espera mais. Não quando tudo se foi assim. E tenta pensar que talvez, quem sabe talvez, se se mostrar melhor, se tentar mais forte, se tentar mais vezes consigo, se conseguir dirigir a própria vida num ritmo saudável tudo melhore, o amor volte e tudo seja não como antes. Que tudo seja melhor como antes.

E começa a ver que esse caminho para ser melhor deve ser vivido com essa espera que não termina. De outro modo não haveria evolução. Ter a certeza de um futuro seria viver na inércia, esperando um novo tempo chegar. Essa esperança, agradeço, não me deixa esquecer o passado para que eu seja bem melhor no futuro e, quando for melhor, talvez terei esquecido que fiz o que fiz por amor e saberei ter feito por mim mesma. E é quando fazemos por nós mesmo é que sabemos o real valor do esforço.

Páro agora e vejo que cheguei numa conclusão milagrosa. Feliz e triste de estar vivendo assim, tudo ao mesmo tempo, sinto que subi mais um degrau. Esse sentimento, esse aperto, essa dó, essa gana, esse amor... são o meu caminho! E devo me sentir assim. Devo me sentir mal, porque errei e devo me sentir bem porque vou consertar. Devo me sentir melhor ainda porque é por mim, afinal das contas. Deus! Quanto me custou chegar até aqui? Alguns copos a mais na cerveja do fim de semana, um prato a mais na hora do almoço e lágrimas! Nada me custou além desse aperto que não me larga e estou feliz por finalmente chegar ao meu veredicto! É POR MIM e por mais ninguém que sofro o rito de passagem e me ergo diante de uma vida promissora.

Todo mundo sabe como é crescer? Essa é minha primeira vez e continuo contando.

domingo, 19 de junho de 2011

Ready for those flashing lights.

Desabei. Finalmente saí da inércia e desabei.

O chão também desabou, assim como minha maquiagem e o que restou das minhas roupas.
Sobrou um vazio que espeta.

Não sei bem dizer se foram os olhos inchados que me trouxeram a má visão, mas tudo bem distorcido a minha frente parece morrer devagar. A diferença é que agora não vou junto.

Nasci para sobreviver, mas vou fazer disso uma vida agridoce pensando em um dia de cada vez. O que ficou para trás não esqueço, mas não me modifica o humor. O que ficou para trás ficou mais sutil. O que ficou para trás já não me pertence mais.

Porque eu deixei minha cabeça e meu coração nos palcos.
E é lá que permanecerão.

Isso é permanecer.
Isso é não desistir.
Isso é correr atrás do que se quer.
Isso é lutar.
Isso é ficar.
Isso é gostar.
Isso é se responsabilizar.



Pela primeira vez, o amor faltou.
E não pretende voltar.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Saudosa maloca.

A saudade é... indescritível, mas não posso voltar.

-

Acabo de voltar das compras pesadas, esquento o arroz e começo um omelete para duas dos quatro ovos que trincaram pelo caminho. Corto o presunto, o queijo e tento me lembrar de como minha mãe, linda, fazia aqueles vários omeletes deliciosos completos uns redondinhos e outros completamente disformes. Eu sempre escolhia os disformes, claro, eram mais divertidos. Gargalhadas eram soltas toda vez que um omelete ia contra as nossas expectativas, mas sempre éramos recompensadas com os gostos diversos muito bem temperados. Penso no amor que tenho dentro de mim e associo à comida, já explico o porque.

Termino o omelete de quatro ovos para duas e parto ao meio. Uma parte vai no prato, a outra na cumbuca já que o segundo prato está sujo. Minha companheira de quarto não quer o arroz, então raspo a panela, entrego o prato para ela e me sento na cama. Tudo quentinho, novinho e bem a cara do que comeria na fazenda na companhia da minha mãe. Mal paro de pensar nela para escrever um e-mail e o telefone toca. Eu já sabia que era ela. A emoção tomou conta e quase não consigo dizer oi. E a conversa, tímida de minha parte, começa...

Costumávamos ir nos fins de semana para a roça que não tinha nada de roça. Era lindo lá. Amava aquele lugar com tanta força que queria que o mundo inteiro fosse ali e que fosse meu, dos meus bichos e da minha família. Eu lia livros inteiros num dia só, bem preguiçoso de chuva e cavalgava todas as fazendas num raio de 20km, pelo menos. Descia o rio de enchente no verão, tomava leite fresco pelando, café com biscoito maria e manteiga de casa. Mas o meu paraíso particular era atingido quando o sol de meio dia torrava todos os meus miolos e a fome de adolescente chegava urrando querendo ser saciada. Entrava correndo pela cozinha pequena gritando "mãe, to com foooome" e logo sentia o cheiro fantástico das panelas ainda quentes cheias de um almoço super caprichado. Quando faltava carne, tinha sempre na panela arroz e milho, arroz e milho, arroz e milho. Tudo fresquinho, na medida certa para duas. Foram com certeza os melhores dias da minha vida. Não foi escolha minha deixar aquele mundo para trás, mas influenciei para que ele fosse deixado com certeza. Hoje eu fincaria o pé e não arredaria de lá, mas naqueles tempos de espinhas na cara e paixões desabrochando queria saber como era a vida na cidade. Festas, shows, mil amigos e experiências urbanas. Hoje, troco tudo isso por uma vida no pé da serra com um cavalo no quintal. Sem piscar.

Todas as pessoas que amei e que ainda amo me alimentam. Um café da manhã na cama, um sanduíche no lanche, uma carona até o sushi mais próximo. Em datas especiais, pão de queijo e strogonoff de frango com cogumelos enormes, leite quente para dormir. Minha mãe costumava bater na porta do quarto, entrar devagarinho e perguntar se eu estava com fome. Um gesto tão simples que sempre significou o mundo para mim. Agora eu faço minha própria comida. Aprendi a cozinhar e tenho a quem puxar a mão boa para um arroz soltinho, mas não posso evitar a saudade que bate mais forte nas madrugadas quando sei que ninguém me perguntará se eu gostaria de umas torradas com requeijão ou geleia de amora antes de dormir. Um cappuccino, talvez, querida? Não, mãe, obrigada, estou bem. Aceito um beijinho e o seu jeitinho único de me colocar na cama com um cafuné e um boa noite macio de anjo.

Nessas horas tenho vontade de voltar correndo e compensar os vinte e um anos de alimentação que minhas mães me deram. Fico querendo agora demonstrar na mesma moeda. Faço o café, pode deixar. O arroz e a sobremesa por minha conta. Déda, como é que faz o pão de queijo mesmo? Não, não senhora, sai pra lá, quem vai fazer isso sou eu. Mãe, sei que você está ocupada no computador com seus alunos, mas... quer um lanchinho para adoçar um pouco essa vida que anda tão complicada ultimamente?

E pensando assim vem a vontade de comprar outra passagem sem volta. Uma para minha terra natal, para o meu berço de ouro. Uma passagem de volta, na verdade. Voltar para minha casa gelada no verão, quente no inverno. Meus amigos... Nada mais tentador do que estar no lugar que sempre foi a minha cara e que sempre me recebeu como a uma rainha. As pessoas daquela casa... nada mais precioso que aquelas pessoas dentro daquela casa.

Só não posso. Não posso voltar. Se eu quiser ser alguém na vida, preciso ficar aqui, ralar aqui e sofrer aqui. Me contentar com a comida que eu mesma faço, com o leite quente que eu mesma preparo, me enrolar na cama que eu mesma fiz. Deus sabe como eu queria poder fazer tudo isso perto de todo amor que há nessa vida. Mas não posso, tenho que seguir em frente.

Não vou desistir, mas se não alcançar o objetivo, sei que posso seguir o cheirinho de comida bem preparada no fogão, num dia de domingo ou em algum outro dia qualquer.

domingo, 5 de junho de 2011

A mim.

Vem cá. Senta aqui, encosta a cabeça no travesseiro e deixa o céu mudar de cor até que se apague o dia. Relembra as estrelas, a chuva de estrelas, de um sonho bom e fecha os olhos. Não dorme ainda. Sente o frio, aos poucos dando lugar ao conforto de duas cobertas, deixa os dez graus do lado de fora, se aquece e vem. Pensa em mim, meus cabelos os seus, meus dedos os seus, meus pés gelados os seus e deixa que o mundo inteiro estranho lá no exterior continue do outro lado da janela. Só eu e você, uma alma em um corpo tentando sobreviver.

Uma mente apressada recolhe os resquícios de qualquer coisa e tudo e tenta descansar. Fala com o corpo, que transmite as mensagens de uma alma em pedacinhos. E tudo se comunica e tudo sou eu, apenas. Mais ninguém.

Vem cá, digo a mim, vou cuidar de você. Puxo meus cabelos os seus para trás, passo as mãos pelos meus seus ombros, cuido de esquentar nossos pés, os dois. Me aconchego no conforto de mim e tento tragar o ar mais puro do meu canto no quarto e penso que é de mim que vou cuidar agora. Passei tanto tempo no meu próprio esquecimento que quando tudo se foi, só restou a mim.

Aos poucos o sono chega e um sonho bom outra vez aparece. Desta vez com asas. É um vôo leve, pelos fios de alta tensão, prédios altos, buzinas, mas tudo se esquece no vento da noite enquanto ergo minhas mãos ao alto em direção à cor no topo do mundo. É uma cor escura e redentora.

Vou cuidar dos meus pés, seus dedos, nossas unhas e o sangue que gela no fim do continente. Vem, deixa eu cuidar das canelas, joelhos, pêlos, coxas, barriga. Vou colocar roupas adequadas, prometo. Vou hidratar, exercitar seus meus músculos, deixar as articulações sem dor, parar de torcer meus dedos das mãos, roer suas cutículas, prometo. Prometo resfrescar no calor e aquecer no inverno, prometo respirar pelas narinas, tomar a vacina toda semana, estudar todo dia. Prometo te deixar dormir quando preciso, mas a gente pode dormir menos, muito menos. Prometo cuidar do íntimo e te fazer rir sempre. Prometo deixar o choro cair quando for preciso, mas prometo te deixar mais forte também. Na doce brutalidade... prometo te fazer entender que pode ser desagradável e dar a resposta que quiser e não dar seu telefone e não dar trela a estranhos e se vigiar o tempo inteiro. Vou te vigiar o tempo inteiro.

Eu oro também, mas esse não é um benefício seu. É um benefício aos que a gente ama. E isso farei todas as noites, antes de adormecer. Vou espantar os sonhos ruins e acordar de madrugada para cobrir nosso corpo se ele estiver com frio.

Eu sei que você canta, mas eu escrevo. Sei que podemos fazer os dois, temos todo o tempo do mundo, mas não temos tempo a perder. Não podemos, eu e você, deixar de fazer o que amamos. Prometo deixar as besteiras de lado, viver do fundamental com bônus de alegria. Prometo me alimentar bem, tomar um pouco de sol aos fins de semana, deixar o pouco de melanina que temos transparecer em um bronzeado sutil.

Prometo voltar a tocar piano. Eu toco, você canta... tenho certeza que um dueto de uma só seria lindo... Prometo praticar a disciplina, ser melhor todo dia e fazer você entender que o banho pode demorar menos tempo mesmo nesse tempo de dar coriza. A gente pode tomar menos remédio e mais água. Vem cá, estamos desperdiçando a luz do dia nesse apartamento, vamos para o lado de fora!

Prometo, acima de tudo, te fazer feliz.
Mas você tem que vir comigo e não pode, jamais, me largar, largar da minha mão.
Essa é a minha sua nossa condição.