sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Mãe.

Acho que menti inocente para um namorado ou dois quando disse que deles vinha o melhor carinho do mundo. Acho que menti para um ou outro sem saber que mentia descaradamente quando disse ser a pessoa mais importante para mim.

Ela tem as unhas pontudas e redondinhas, ao mesmo tempo. Mãos macias e rosadas, com mais pintinhas do que ela gostaria, mas que eu sempre apreciei com carinho. As minhas poucas que herdei são mais numerosas que em seres humanos normais mas ralas em relação às dela. São constelações nos ombros, minha mãe vestida de estrelas e planetas, como seu coração fabricante de astros. Uma galáxia vitoriosa, um universo guerreiro em infinita expansão.

Ela caminha devagar com as pernas torneadas e tem um sorriso tão sincero quanto a palavra. O salto pela escada anuncia a chegada de uma mãe de asas abertas, podadas diariamente pelos filhos arredios, libertos demais. Para isso os criou, livres, independentes, reais, maciços, de princípios enraizados inquestionáveis, de gestos reduzidos, desconfiados.

As pupilas assimétricas por trás dos oclões, embaixo de algumas ruguinhas sorridentes, cercada por cabelos prateados e castanhos. O colorido natural de uma vida aproveitada com dignidade e garra. A doçura da voz contrasta a riqueza de sua personalidade, um vulcão em erupção, fogo crepitante, um corpo sem parar para respirar. Um corpo bem cuidado zeloso por uma alma inquieta. Um cérebro em constante ansiedade, pilhando em mais, mais.

Mãe. Tenho duas, já disse. Mas esta é aquela que abriu mão dos sonhos pelos sonhos dos filhos e construiu junto com eles a vitória, as conquistas, as realizações, a responsabilidade. Do lado, reparando pequenos erros, corrigindo falhas, amansando as feras que a vida solta nas jaulas da infância. Sentada ao lado da minha cama, sem contar histórias, desmentindo o fim do mundo, aquecendo-me em fortes cobertas gordinhas. Embaixo de suas asas, eu era o pássaro mais lindo. O pássaro mais protegido. O pássaro mais distante, o de mais sede. O pássaro mais cantante.

Minha mãe, um misto de agressividade e doçura. Cérebro, emoção. Ciência, arte. Uma mulher tão firme e tão vasta e tão... minha? Mãe do mundo sem sair de casa, mãe do acerto e dos meus primeiros passos. Mãe das minhas primeiras palavras e das minhas primeiras notas. Minha mãe, meu norte, meu dó. Aquela que me deu o dom de sentir, de lutar, de ser uma fortaleza de pés descalços. Aquela que me deu a humildade, o nariz e o espirro escandaloso. Aquela que me largou no rio caudaloso de emoções e me salvou dos furacões da insanidade, saudade e descrença. A mãe que me guardou e me expôs aos males do mundo para aprender e que me livrou do receios sem fundamento, que alimentou o medo de voar ou de colocar o pé no chão. E que o medo andasse ao lado, para identificar e torná-lo meu companheiro na hora da cautela. E que o mundo é meu, não tenho dúvidas. Ela não me impôs o limite em quilômetros e sim em bondade, respeito, educação. A mesma mãe que acorda todas as noites quando a porta do quarto é escancarada com violência pela caçula de força desmedida e delicadeza abaixo de zero, com uma piadinha esganiçada em voz de sonolentas mães.

Uma mãe que lê pensamentos, que vai até onde os filhos deixam com muita compreensão e opinião, sempre querendo ir além para proteger mais, mesmo sabendo que o caminho é deixar. Deixar ir, deixar voar, deixar ser, deixar errar, levantar, cair e acertar. Aceita quietinha debruçada em seus estudos que seus frutos voem com sucesso para além de seus arco-íris particulares. O potinho de ouro são os sonhos, sonhados juntos, moldados com gentileza, cuidado e sabedoria. E mesmo nos momentos violentos por parte de um ou outro, criador ou criatura, de todos os lados emana o calor que une, ainda, e que faz experimentar momentos raros de conversas sem finalidade regadas à risadas de amor, daqueles transparentes sem fundo, cavernas inexploradas de pureza e esperança.

De todas as coisas do mundo o egoísmo criacionista demanda mães que durem para sempre. Para aqueles momentos em que o caminho é claro e para aqueles que não se vê um palmo a frente. Para aqueles momentos em que o piso é íngreme ou para quando as planícies vazarem pelo horizonte sem acabar. Mães que durem para sempre, para que haja luz aos pesadelos diários e gelo para os galos na cabeça. Mães que durem para sempre, para filhos crescidos, para filhos nem tanto, para filhos nascidos, filhos no céu. Mães que durem para sempre para mostrar ao mundo a verdadeira arte de amar sem condições. Mães que durem para sempre para apertar, abraçar e ter certeza do rumo a seguir. Mães que durem enquanto durar a vida dos filhotes para sempre filhos. Mães que durem para sempre para abrir a porta de casa e dizer seja bem-vindo de volta. Mães que façam tremer os monstros e a vaidade. Mães que durem enquanto durarem os estoques de filhos, filhas, órfãos. Mães para amamentarem e permanecerem quando o mundo desistiu. Mães que durem para sempre, porque mães são os únicos seres capazes de tudo, carregados pela força de unirem-se a outro corpo em plenitude e carregar no ventre o futuro da humanidade.

Precisa-se de mães que durem o tempo que for necessário para mudar o mundo, bruto, e fazer crescer jardins nos concretos. Porque no fim somos todos pequenas crianças em busca do colo reconfortante e da alegria de ter para sempre a segurança do infinito.

Minha mãe, um infinito em mim, para mim.

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Get it.

Você não entendeu quando eu disse não. Não respeitou quando eu disse não quero e fingiu não ouvir quando disse que não vou. Você deixou palavras passarem de um ouvido para o outro e depois deixou ainda que elas saíssem passeando com o vento como apenas os seus sonhos fossem a realidade irrefutável do que eu sentia. Você não quis saber. Pegou pra você o que era meu de direito, a escolha, e eu disse não e você ouviu um sim. Eu disse não quero, você percebeu eu te amo. Eu disse não vou, você entendeu vamos para sempre juntos de mãos dadas. Não consegui ser clara?

Eu sou uma alma livre, solitária, agridoce e feliz. Isso você não entendeu. Solitária e feliz. Sou intensa e forte, agressiva até a morte, com o foco de poder na simplicidade humilde de simplesmente passar sem querer incomodar. Eu quero estar assim. E a parte de que isso não vai mudar, você ainda pisoteou. E não quero mesmo, falo pouco quando de passagem, sorrio muito quando decido ficar mais um pouco, minha vida não deve pesar para ninguém e se para você não pesa mesmo quando eu decido pesar, isso não significa que eu vou te amar. Eu não te amo, meu bem e pare de se iludir. São os seus sonhos e os seus quereres, muito distintos dos meus. Eu não quero ao meu lado um corpo para amaciar. Eu não quero e a quantidade de eus indica a quem realmente interessa. Eu não me interesso e você, ah, não se incomode em me conquistar. Deve se incomodar em seguir em frente e partir para outras alvoradas, porque você já me perdeu antes de me ter. Se é que se pode ter alguém. Não, não pode. Pelo menos não a mim.

Não se incomode em me acompanhar até o carro ou me vigiar a noite inteira de cara fechada, rasgada. Não se incomode em me levar até em casa, não se incomode em gostar de mim todo dia um pouco mais. Não se incomode em gastar suas energias comigo ou seus sonhos com casos perdidos de infinitos nãos. Meu não é para sempre e se os seus sonhos também são, meu bem, não queria estar na sua pele.

Aprendi a seguir. Aprende também. Melhor pra você e melhor para mim. Sou indomável, incolor e nada, ninguém, pode me controlar quando eu quiser que meu mundo vá até o fim. Eu sou expansão e não caibo em gaiolas de palha ou ouro. Eu sou asas abertas em pleno vôo, quando você ainda pensa em me transformar em pipas, papagaios mimados ou pombos de jardim. Meu bem.... eu não sou assim.

E tudo o que você conseguiu me provar até agora, querendo o contrário, foi que não me entende, não me conhece e sonha mais do que se importa em realizar. Eu não deixei você entrar na minha vida. Você invadiu sem perguntar, e eu não gostei, mas não gostei mesmo. Quis saber demais, procurar demais, falar demais. Pode sair agora. Os meus sonhos são incompatíveis com os seus. Minha índole incompatível com a sua. Meu amor... não é pra você. E se não posso ser mais clara ou mais ignorada, mais ignorante ou mais rude ou mais metida ou mais sincera, eu escrevo e deixo o mundo saber que o escolhido não é você. Não escolhi ninguém ainda, mas não é você. Um doloroso caso de aceitação. Simples e doída. A vida é assim, mesmo que não tão simples às vezes. Mas a recusa dói, por isso fantasiamos. Acorda, pelo seu bem. Acorda, abre a cortina do quarto e deixa o sol cegar seus olhos. O seu destino... não sou eu.

E se me importo em dizer não, é óbvia ainda me importo com você. A sinceridade pura muitas vezes é tida como um sinal de educação falha, mas é a porta que te guia ao próximo passo. Te prender nesse vazio seria mais cruel que tentar te provar a existência do Papai Noel e seus duendes. Ah, meu bem, segue em frente.

Com carinho, com pesar e de todo o meu coração, te apresento a realidade.
Basta acreditar.

sábado, 9 de novembro de 2013

De pernas pra cima

São pouquíssimos os momentos em que posso colocar as pernas pra cima e não pensar. Não pensar em você e no seu jeito de andar, não pensar no que fazer e que roupa colocar. Às vezes, depois de ter tirado toda a minha roupa sem malícia, fico deitada olhando as estrelas artificiais do meu teto, esperando nada, vendo pensamentos passarem como pessoas na rua na hora do rush. Muitas pessoas, muitos pensamentos. Deixando o corpo respirar o ar limpo de casa limpa. Com o seu cheiro nos lençóis, no meu nariz e na minha fraca memória.

Sinto sua falta. Hoje, sem complicação. Tanto que olho para a mesma janela todos os dias ao passar de carro por ali. Algumas coisas mudaram e meu mundo tem sido tão irreal. Parece que não existo quando a luz se apaga e os vagalumes se afastam escurinhos. Um bichinho de luz pousou no meu ombro de moletom branco. Esse moletom é meu, que besteira a minha de devolver o seu. Não só o moletom, mas a sua presença e o seu amor. Só não queria que me odiasse, mas não me odiar nunca vai ser suficiente. O que eu gostaria que você sentisse joguei fora por querer outra coisa irreal ainda.

Ah, meu bem... como eu queria que você estivesse aqui e me atrapalhasse e anotasse as besteiras que eu digo entre o sono e a vida e respirasse no meu rosto um sonho qualquer.

Volta aqui.

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Não cansei ainda.

Meu exauri, mas não terminei ainda.

Desculpa se tremi no banco do carro, se no fim não quis ajuda e se me afundar é tão fácil quanto sorrir. Me acostumei a ser assim, um sorriso por aqui, uma careta bem medonha ali e máscaras tão profundas que até de mim escondo as sombrias posses da minha alma.

Ainda acho que no fundo, amo. Mas o medo é tão aterrador, abrasador, que ultrapassa todas as coisas lindas, me queima todos os jardins. Um passado tão recheado, um presente tão vazio, uma flor seca e futuro nenhum.

Desculpa se tremi na sua frente e te pedi perdão. Talvez devesse ter ficado calada e orgulhosa sozinha com meu sentimento na mão. Mas como tudo que sou, tenho que extinguir, espalhar, abrir, estampar. E de tantos erros não sou eu a reclamar do seu sono e da tamanha falta dele. Não sou eu a te acordar e te empurrar da cama e espreguiçar em cima do seu cabelo perdido nos travesseiros. E talvez nunca mais seja, a vida é assim. Eu simplesmente perco e sei que a culpa é toda minha todas as vezes.

Desculpa se bebi demais. Se perdi a beira da estrada, se caí no asfalto sujo. Desculpa se minha melancolia foi pesada demais e se no final eu quis pular sem pensar da janela do décimo andar. Desculpa se meu chuveiro derrama quente as minhas lágrimas pelo ralo velho e enferrujado. Desculpa se sou amor do dia do amor, a espera de um amor que já foi amor um dia e que hoje. Meu hoje não existe. Ainda não dormi, então a madruga ainda é ontem.

Desculpa se sou a rainha do drama mais inadequado do bairro. E se a fumaça do meu cigarro acabou com as minhas chances de sucesso. E se o meu fundo de garantia não posso retirar, e se não consigo decorar a placa do seu carro e se minha memória é tão ruim quanto cortar laranja com faca de mesa. Desculpa por ter ido embora e por ter voltado. De novo. De novo. De novo.

Eu só sei ir, até que uma mão me prenda. E não se prenda em lágrimas e não tenha medo quando eu disser eu vou. Não, você não vai. Você fica, porque ao meu lado é o seu lugar. Machista? Intimista? Nazista demais? Quando alguém quer ficar, talvez basta um parafuso para grudar, um prego pra prender, um grampo pra juntar. E quando são só lágrimas e porquês e o que você vai fazer o caminho se abre e eu vou. Quando na verdade tudo o que eu queria era ficar. E se no meio do caminho encontro uma flor, logo ela seca e se vai também, porque o amor, o amor, o amor, ele se faz com um tempo e que tempo que me dá raiva, que não me deixa plantar, que só me faz ir, transportar, aparater, emudecer. Secar.

Tantos anos com isso petrificado, congelado, aparecendo vez em quando em superfícies turvas, sempre na hora errada, porque talvez nunca vá haver hora certa, porque dizem que amor não tem dessas coisas. Mas amor, assim, tão complicado, tem amor de tudo quanto é jeito, eu não sei o que é amor.

E a resposta aparece. O dia nasce, as pessoas andam, acordam, se movem. Eu também, mas o essencial continua dormindo, confortável na cama de coberta roxa, esperando se emaranhar nos cabelos sempre certos, sempre errados.


quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Offline.


Primeiro desligaram-se os sentimentos. A rede estava completamente desconfigurada, não se achava em lugar nenhum a senha do cerne. O coração batia tão acelerado quanto um coração que vai parar a qualquer minuto. Sem chave, sem segredo, sem cor. Não se via ódio, rancor, tampouco amor e vontades de gargalhos. Era um sombrio escuro que se deixava mostrar em lágrimas esquecidas aqui e ali.

Vontade de voltar e se afogar no mar gelado de um sul que congelou a alma antes de qualquer coisa. Não foi culpa da cidade, tampouco das pessoas. A culpa era dela por se deixar afogar. Caldos e caldos de água salgada confundindo-se com gotas de suor e malgrado. O mundo não parava para que ela adormecesse. O mundo não pararia se ela morresse.


Em seguida os dedos pararam de viver também. Não os sentia. Dedos livres, leves, apáticos, pálidos, quase roxos de um frio que vinha dentro para fora, que emanava pela água e congelava as algas passarelantes. Dedos da mão entre os cabelos curtos desesperados. Dedos do pé roçando uma areia molhada no fundo do mar. Só os peixes, peixinhos, peixões que beliscando a pele branca de marfim sentiam o gosto da morte se enfurecer, se enriquecer e finalmente tomar conta de todo o resto.

De formigamento, os membros passaram a fantasmagóricos. A respiração finalmente cedeu, e respirou sal molhado com tubarões imaginários. Doía como tubarões, presente como tubarões, mas tubarões não gostam de frio, portanto, imaginários. Não tão imaginários como as baleias que arcavam com os sentimentos dela. Aqueles primeiros que se desligaram.

Os olhos ficaram por último offline.
Era o fim da linda, da linha, do marítimo sonho de correr a cavalo pelas beiradas do mar.

Casacos

Começou com um casaco preto, mas a Déda colocou pra lavar e encheu de bolinha branca. Depois o casaco era vermelho e era só meu. Depois virou um casaco azul cheio de histórias pra contar. De repente surge um casaco roxo, tão lindo... mas fiz merda e o casaco sumiu e depois surgiu um casaco cinza que me assustou tamanho conforto e depois um casaco preto de novo que eu não usei.

Desisti de me agasalhar.

Não se morre de frio no Brasil.