terça-feira, 10 de agosto de 2010

Chiado.

Não tenho hábitos ou cor. Meu espírito se esconde atrás de um murinho rebocado, ainda sem pintar e terminar. Meu nariz entupido me impede de sentir o cheiro da rosa branca e da rosa flor desconhecida atrás do meu equipamento eletrônico preferido, mas elas se abrem perfeitas e me convidam a me curvar. Estou sempre à espera de tempos melhores. Hoje vou atrás de oportunidades, mas preciso estudar. Tenho talento, mas preciso tentar mais forte, me esforçar mais.

Não tenho horário de acordar ou de fechar os punhos para minha raiva. Mais fácil seria fechar os punhos para a vida e dormir na hora da raiva. Meus sentimentos todos me trazem um sono incapaz de encolher. Fico pelas bordas dos lençóis e fronhas molhadas de suor ou saliva, enquanto ressono pela boca aberta, nariz fora de sua função principal. Passo os dias recordando e temendo ser este o melhor caminho para mim, ser o outro o melhor caminho para mim, ser aquele o melhor caminho para mim. Qualquer decisão exige que a mão seja aberta para que alguma coisa se vá, ou para que alguma coisa fique quando eu me for.

São apenas alguns dias para a resposta. Preciso agir rápido e posso começar com minhas corridas sonoras e meus downloads incertos, mas não sem antes sair para pegar os exames e a devolução do dinheiro de um curso que não vou fazer. Nada acontece por acaso, frase batida sem deixar de ser necessária. Existe um motivo para a minha agonia e para meu fracasso na tentativa de me acordar antes do meio dia. Preciso me preparar e acordar para a vida.


Agradeço, senhor, pela luz dos meus olhos.

quarta-feira, 30 de junho de 2010

A arte de ser escroto.

Não me venha com chorumelas, senão mando-lhe catar coquinhos dourados no asfalto da rua 29.

O bairro não me lembro qual era, mas sei que andávamos lado a lado.
Sem discutir, sorrindo sobre as ladeiras de ladrilhos, quebrando meus saltos altos, sorríamos, pensando em qual prédio antigo iríamos parar e observar boquiabertos os desenhos feitos em gesso, metal ou mármore.


Hoje, infelizmente, não estou disponível parar ninguém.
Não adianta insistir.

Would it be a waste?

Conversávamos sobre sexo, traumas e confissões. Ciúme e possíveis traições. Nada demais e já a dor no estômago começava a ceder e dar espaço pro oxigênio entrar e me aliviar um pouco. Caminhei até o caixa e paguei a conta. A comida mexicana tinha se tornado horrível a partir do momento em que a conversa começou a fluir e, como fiz o dia todo, acabei me esquecendo de comer tudo, como mamãe me ensinou. Saí do restaurante pensando em não voltar mais quando a dor apertou. Só queria chegar em casa.

Recebida pelo animal gigante de quatro patas mais conhecido como labrador, entrei em casa, esperando a fome chegar. A fome não chegou. Mais um dia sem comer direito, o quarto bagunçado feito inferno particular. Me agrada mesmo assim. Coloco pra tocar a música do momento e me sento, ainda agonizando. Uns ajustes ali, outros aqui e as palavras me escapam.

Ao meu lado, um livrinho atraente: "A Loja de Pianos da Rive Gauche". Depois de ler "As Brumas de Avalon" devo ir correndo pra esse. Tempo não me falta agora.

Me perco. E recomeço.

Nem a morte de um irmão faz com que as brigas parem. Fico imaginando-o fechado no caixão ou me olhando de cima como um espectro, o tom de reprovação nos olhos. Conversamos sobre culpas, desculpas e desespero. Queria que ele estivesse aqui e me acompanhasse de manhã na estrada cascalhenta para me dizer que devemos parar, agradecer e continuar. Não sei o que houve hoje com as minhas mãos desmaientas, que teimaram em esquentar. Os pés, nem tão gelados, canalizaram todo meu desejo. Quero terminar aquele livro, pensei, mas pensei também em agarrar e ir parar sem querer no quarto. GET A ROOM, meu íntimo gritou. E a razão, que não quer saber de aproveitar, me faz perder um tempo precioso entre garganta apertada e lágrimas endividadas. Não estou melhor assim e não ficarei melhor assim. Mas, se assim tem que ser, que a bandeira da desistência seja içada de uma vez por todas.

Minha alma não supera um amor desperdiçado, aprendi. E aprendi também que os fracos não têm vez. Na solidão das notas misturadas, penso nos tópicos abandonados de um manifesto colorido e dos álbuns incompletos. O presente adiantado no armário, sem cabimento. Deve mofar ali, porque não vou me mover daqui para ter a certeza de que não consigo fazer reviver o bem que havia antes... um antes não tão longe assim. E nem tão raro. Os abraços estão frescos, assim como as mensagens e as digitais. Meu corpo exala um cheiro que não me pertence e em todos os cantos da casa falta alguma coisa. Lembro fácil da tarde na sala, dois corpos sobre o pseudo-sofá, conversando e rindo sobre nada, sem saber que aquilo era tudo.

As tardes foram as mais aproveitadas... antes do meio-dia era sempre difícil sair da cama gostosa. E teve a tarde no lago, que deixamos virar noite. A madrugada enfiados debaixo do cobertor tentando assistir apresentações que ninguém podia escutar, para não perturbar o sono. O calor de ficar em frente ao monitor, as fuças esquentando... até cairmos no sono embaixo da mesa. Sem pensar em nada e sem saber que aquilo era tudo, mesmo esmagados entre pé-de-mesa e parede.

Até as idas ao médico eram muito mais divertidas. Era bom ver a pele morena meio embaçada, sob o efeito de dramin na veia. A preocupação no rosto e o cuidado no toque. O lanche depois, que não era nada bom pra quem tinha acabado de sair do hospital. Fico imaginando agora mil formas pra me tornar atraente ou cativante ou avassaladora novamente. Olho meu rosto sem graça e com certeza um pouco mais antigo e vejo o tempo passar rápido. Deito debaixo das duas conversas entre eu, eu mesma e minhas quatro paredes e tento dormir. Um sono cheio de sonhos, vagos nítidos reluzentes estonteantes. Me assombro com a realidade de algum deles e acordo gritando, querendo que fosse aqui.

Tirei o casaco azul e pesado.
Coloquei sobre o travesseiro roxo.
Pus meus joelhos no chão e rezei.

domingo, 27 de junho de 2010

Pavements.

"I've made up my mind,
Don't need to think it over,
If I'm wrong our I'm right,
Don't need to look no further,
This ain't lust,
I know this is love but,

If I tell the world,
I'll never say enough,
'Cause it was not said to you,
And that's exactly what I need to do,
If I'm in love with you,

Should I give up,
Or should I just keep chasing pavements?
Even if it leads nowhere,
Or would it be a waste?
Even if I knew my place should I leave it there?
Should I give up,
Or should I just keep chasing pavements?
Even if it leads nowhere...

I'd build myself up,

And fly around in circles,
Wait then as my heart drops,
And my back begins to tingle
Finally could this be it

Should I give up,
Or should I just keep chasing pavements?
Even if it leads nowhere,
Or would it be a waste?
Even if I knew my place should leave it there?
Should I give up,
Or should I just keep chasing pavements?
Even if it leads nowhere..."

Entenda: www.youtube.com/watch?v=YimdPxZrfiM&feature=related


Tirou os óculos escuros. O parque seco se fez dourado às cinco da tarde. Era hora do chá, mas corria dos próprios fantasmas. Desistiu da corrida quase no final para caminhar e desistiu de caminhar em círculos para sentar à beira da lagoa. A água brilhava, numa mistura de escuridão com reflexos prateados. Chegou à beirinha raza e contemplou o contraste que o sol milagrosamente construía na terra, na grama e nas àrvores ao se pôr. E pensar que perdeu tantos sóis poentes para se estraçalhar em breus. A primeira coisa que pensou foi em ter uma máquina fotográfica em mãos. A segunda coisa que pensou foi em ter um fotógrafo. E abriria mão de tantos sóis poentes pelo fotógrafo ali. E juntou, os sóis, as fotos, a escuridão prateada da água e as mãos, porque o frio começava a apertar. E a imaginação se foi com o vento gelado que passou...

Não havia foto ou sol. Atrás do parque de diversões, agora, andando lentamente, sentia a sombra do fim de tarde cobrir o contraste lindo que havia em volta dela. Era a realidade se manifestando, em sua pior forma, mas não deixou de pensar nas cores do tobogan. Queria ser, afinal, as quatro crianças que subiam com seus tapetinhos até o topo do escorregador gigante. E a música começou a tocar. Aquela música. Parou de andar, tirou os óculos escuros que havia posto depois de deixar o lago brilhando em suas costas, tirou os fones de ouvido que não saíam dali desde o início da corrida, fechou os olhos e chorou. A paz era quase sufocante. O abraço da brisa era aterrador, as risadas eram agudas, lindas de bochechas dormentes em roupas grandes demais para seus tamanhos. Continuou com o choro silencioso, pôs os óculos mais uma vez e sentiu-se de repente ansiosa para ir até o estacionamento 12 do parque encontrar o cobertor laranja que havia levado no carro velho para se proteger do dia inteiro frio. Mas não correu. Continuou com os passos lentos, as pernas longas dentro do short branco curto, a pele arrepiada. Não queria esquecer o contraste, ou as sombras, ou a música que já haviam ficado para trás. Queria lembrar daquela tarde para o resto da vida, longa vida, sabia, tinha muito ainda a viver, muitos planos a traçar, muito a refazer e, o mais importante, muito a consertar para aprender de uma vez por todas. E depois, só o céu poderia abrigar tanta luta.

Continuou andando devagar. Chegou ao bebedouro do parque, que refletia poucos feixes de luz e bebeu a água nem gelada nem quente. O dia todo parecia estar no ponto. E chorou mais uma vez ao passar pela máquina que esguicha vapor d'água. Estava frio, mas não importava. O calor de dentro era o contraste na medida certa. Sabia que seus cabelos tinha ficado em pé com a umidade, mas não havia foto ou fotógrafo, então não precisava se preocupar. Continuou, na lentidão da tarde agora sem sol, sem escuridão, até chegar ao seu velho meio de transporte. Abriu as portas, sentou-se no macio da colcha laranja, e sorriu. O livro, o velho livro que a acompanhava agora para todos os cantos pareceu cantar. E por cima do sorriso, podia sentir as lágrimas quentes deslizarem, com mais dor do que poderia aparentar qualquer contraste de água, qualquer cor, qualquer vapor. Esqueceu-se sentada enquanto escurecia. A noite, tão temida noite, parecia engolir as pessoas que ainda caminhavam, patinavam ou corriam. E, sozinha, no vão dos corredores de memórias e lembranças, sentiu o vácuo. Esqueceu-se que podia ouvir ou falar. Ou ligar o carro, colocar a marcha ré e sair do estacionamento vazio. Não queria morrer ali, ainda. Havia muito a ser feito... queria revelar as fotos e arrumar um trabalho. Queria estudar e fazer o schedule da semana, que seria cheia, entupida de coisas chatas e satisfatórias.

E sem ver que se lembrava de como voltar pra casa, engatou a ré, pisou na embreagem, ligou o carro, abaixou o freio de mão, virou o volante e saiu devagar da vaga. Devagar, engatou a primeira curta para logo passar a segunda, a terceira e sair devagar do estacionamento em direção ao posto de gasolina. Era difícil manter o tanque cheio naqueles dias difíceis. As vacas magras insistiam em habitar a casa. Passou por avenidas, rotatórias e lombadas até chegar ao posto em que costumava abastecer. Longe de casa, perto do que devia esquecer. Pediu para colocar cinquenta reais no cartão de crédito do pai, pobre pai, que tinha que bancar tudo agora. Com o carro cheio foi devagar para calibrar os pneus, que bem vazios estavam. Ela, se não deixasse o carro em ordem, ninguém deixaria. Saiu do posto mecanicamente. Passou por avenidas, rotatórias e lombadas até chegar em casa, onde a cadela negra, obesa e reluzente a receberia com os rabos abanando.

Já era noite, mas não sentiu medo.

Agarrou-se aos pêlos decadentes e à pele do animal quente e surpreendedoramente quieto e deixou-se estar.

Entre panos, pêlos e lágrimas adormeceu.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Fail.

"Another hero.
Another mindless crime behind the curtain...
in the pantomime.

On and on
Does anybody know what we are living for?

Whatever happens
We live it all to chance
Another heartache
Another failed romance

On and on
Does anybody know what we are living for?

Outside, the dawn is breaking on the stage
That holds our final destiny.

Inside, my heart is breaking
My makeup may be flaking
But my smile still stays on

The show must go on."


Somos criaturas do submundo, já foi dito uma vez. Não podemos nos dar o luxo de amar. Não aqui, não agora. Porque o show continua e o mundo, meu mundo, gira sem perdão. E como criaturas do submundo, faremos jus à escuridão. Não foi a fumaça ou as cores sobre a mesa de bilhar. Não foi o álcool no copo de plástico ou a azeitona antes. Antes, depois, não importa. Não foi agora. Não foi o som das guitarras ou a imitação falha do cantor no palco. Não foi a interpretação. Não foram as cordas. Não me pergunte o que foi. Sei só do que não aconteceu. E me enxi de saudade.

Não foi o esconderijo... senti que o portal me fazia invisível.

Não foi o francês, não foram as correspondências. Não havia correspondente. Pés descalços, derrotas, ois ou boas noites. Perguntas, respostas, beijos ou léguas.


Não houve nada.

Nada aconteceu. E nada, o meu nada, já é alguma coisa.


Posso perder meu tempo dizendo o que não foi, ou não preciso perder. O que lê vai se perguntar pro resto da vida o que teria sido. Sinto, apenas, não sei dizer.

____________________________________________________________

Ontem tive um sonho. Era tudo aveludado com um leve cheiro de essência de pêra. Havia um tecido macio e cheio recostando minha cabeça caída, a maquiagem desfeita, o rosto molhado. A fumaça era escura e confortável. Não lembro o que vestia, ou se vestia nada.

Meus dentes tremendo de frio me fizeram despertar lembrando do que nunca sequer chegou a se mexer. Imóvel, abaixo do lençol fino, tentei encontrar o cobertor com a memória. Onde ele estaria pra me aquecer, e logo caí em outro sonho. Mais denso, mais escuro.


- O pulo! - Alguém gritou pra mim.

- Não é preciso pular, quando voar é uma opção.

E me larguei do prédio, sem asas. Sem nada. Ao invés de cair, subi rápido, alto e completamente cega. Só o que ouvia eram os strings de algum teclado bem distante a se afastar de mim,até o silêncio me tomar e me fazer desaparecer sob as nuvens no dia cinza de inverno em direção ao Sol.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Último outono.

"E nunca mais seremos os mesmos
depois de tanto chorar".

Sete Saias vão rodar, digo a mim.
Fecho os olhos e visto a saia rodada vermelha.
Cabelo solto, revolto, caído nos ombros pintados.
O rosto branco envolto num fino véu, seguro apenas por um grampo ornado de pedras foscas.

Agarro a que brilha e rezo.
O Zeloso Guardador me espera do outro lado da linha,
me guarda debaixo do seu olhar.
Desenha meu trilho, grita pra encontrar.

São passos curtos num caminho longo demais.
Meus nervos não tremem mais, ao menos.
Deixei de atravessar gamelas aos berros.
Passo curto, lento e incerto, mas não volto mais ao mesmo lugar.

Minha estaca se desmanchou, sei de cor o que já trilhei.
Meu corpo andou, e seguiu. Minha alma foi montada.
Fui o pão, as migalhas e as curvas que me acompanharam.
Andando em círculos é difícil achar, mas aqui me encostei e descansei à sombra de mim.

Me alcancei.
Ergui a taça da primeira vitória.
Voltei a mim.

Sete Saias vão rodar.
E vou seguir.
Aos poucos trabalhar, aos poucos subir, aos poucos molhar.
Aos poucos retomar, aos poucos continuar e aos poucos correr.
Aos poucos funcionar, desarmar, amar e merecer.
Aos poucos crescer, conhecer e reestabelecer.
Aos poucos estabilizar, adornar, energizar e purificar.

O ar, meu ar, nosso ar.
Salve, salve, protetores de mim.
Encontrei meu lar.




quarta-feira, 19 de maio de 2010

It's all that I've got.

"I'll be just fine...
pretending or not."

É o que eu tenho, por enquanto. Fogo cruzado, peito apertado e pouca fé.
Me disseram que não adianta olhar pro céu com muita fé e pouca luta.
E eu luto. Mais do que o espírito suporta. Mais do que o equilíbrio sustenta.

Contra mim e meus demônios.
Exasperados, absortos em cólera e fúria.
Racho meus ossos contra as portas.
Tento abrir à força as janelas aferrolhadas.

Agora pinto as unhas, arrumo o cabelo, hidrato a pele.
E pelejo para ocupar todos os espaços de mim.
Todos os cortes abertos e ainda aparentes...

Suspiro, respiro e transpiro.
Em busca de controle, inspiro.
Me desespero e caio, piro.

Mas eu sempre levanto.
E sempre me viro.

E me conserto.
Uma hora fico pronta.
Só preciso de um pouco de ar.

domingo, 9 de maio de 2010

Mt. 6.22

"São os olhos a lâmpada do corpo.
Se os teus olhos forem bons,
todo o teu corpo será luminoso".
Mt. 6.22

It's like black water. You can't see and you're afraid to touch.
You can't drink, you can't swallow, you can't swim.
And you don't know why it is so dark.
It's like cold wind. You can't see either but you feel and you're too warm to leave the blanket.
You're too warm to open the door.
It's like a glorious night, with glorious surprises and bewitched failures, followed by nightmares in wet pillows.

And when my pillows get dark and cold and wet, I know:
my steps are going in the wrong directions. The directions: too many to know where to go.
When my mind faces the mirror, I know:
I can't forgive
But I'll live.

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Os edifícios abandonados, as estradas sem ninguém.


Os dias andam calmos, não posso negar.

A claridade vazia me cega, acabo largando meu foco.
E é aí que tudo muda. De novo.

Eu canso, fácil.
Até acho que fui longe demais.

E me agarro aos meus sonhos loucos, tentando achar alguma solução, quando na verdade ela se posta todos os dias a zombar da minha loucura, da minha procura.

Solidão.
Acorda e navega. Me solta e logo me afaga.
É como amante com coleiras periódicas.


Cansei de novo.
E de novo, sobro todinha só para mim.

terça-feira, 23 de março de 2010

A arte e o amargo.

O sol enxia o carro com aquele bafo quente esmagadoramente sufocante. As exageradas dez horas da manhã me estorricavam as mãos enquanto guiava em direção ao eixo dos monumentos brasileiros mais famosos, agora em reforma. Saindo de uma das asas do avião, logo mais um sinal. Vermelho, sim, era meu dia de sorte. E já aparece um homem, corpo moreno, sujo carvão, atravessando a faixa com três varas de fogo nas mãos e parando antes que chegasse à calçada do outro lado.

Começou o show, jogando bem alto uma das varas e, ao retorno breve da peça, iniciou o vaivem do fogo entre as mãos. E mais uma jogada para o alto, enquanto o malabarismo continuava e mais uma pegada, desta vez, falha. E o homemcarvão esticou a mão queimada sem fazer careta e logo pegou a vara caída com os pés, num hábil movimente e reiniciou, com mais presteza, mais rapidez e mais beleza do que antes. Mas não deu tempo de esticar o chapéu e receber o que era dele por direito. Por direito, sim. Algumas pessoas fazem arte para sobreviver. Fazemos arte para sobreviver, porque somos feito dela. Nascemos dela e a ela retornaremos e permaneceremos até o fim dos dias.

E atrapalhando o trânsito, fiz questão de fazer juz às tantas queimaduras na pele rústica. Peguei a minha preciosa moeda de um real, que não sai de mim nunca, porque era a única coisa que tinha e coloquei dentro do chapéu do homem. Ele disse alto, com um sorriso grato: "OBRIGADA, senhorita". E gritei, porque já havia arrancado, "continue fazendo arte!".

E continuei a queimar as minhas próprias mãos no carrinho 1.0 até chegar em casa. Minha casa, fresquinha e confortável, uma cama preguiçosa pra deitar.

Logo pego no sono.



E, como o malabarista, me percorre e me corrói a arte por dentro.
E sonho com o chapéu, a borracha dos pneus.

O homem carvão sou eu.
Mesmo que com carvão ou fogo não esteja mexendo.
Mas essa é outra história.
Amarga como ela só.

domingo, 14 de março de 2010

22h09

T-u-d-o dói.


A pele, a unha, a ponta do cabelo.
E mais. Sem detalhes.

As contas, atrasadas.
O telefone, desligado.
O desodorante, sumido.
O cartão, bloqueado.
O dinheiro, abafado.

O resto, é pouco.

Insatisfeita ainda em reclamar, grito ao interno que se cale e siga minha razão.
Modificada pelas tramas do dia, dos céus, acordo o inferno em mim.
Mortificada pelo mau que me causei, abro os braços e deixo o lixo entrar.

De antíteses e sínteses e análises batráquicas jááááá me esgotei na editora.
Não me fabrico mais. Tirei-me dos catálogos e proibi minhas vendas no sebo.
Está vedada a leitura das minhas palavras, impressas tão imperfeitas em mim.

Ergo as mãos e deixo-me apagar.
Primeiro a pressão, fricção, depois os borrões, aos poucos os restos enegrecidos de borracha rolando. Quando vi, me sumi.

Invisibilimei-me! Aleluia.

Posso comprar e dever, agora.
Correr e cair.
Cantar e quebrar.
Gritar e sentir.
Derrubar, derramar e esquecer.

E falaria das flores se invisível fosse.
De como o dia se atreveu a ficar tão azul.
Sussurraria ao ouvido e beijaria o sono.
Seguiria os passos até o cemitério e andaria em direção ao pôr-do-sol.

Esquartejaria os papéis pelo chão,
romperia as barreiras luz-sombra.
Seria o não e o sim, sem causar dor.
Sem sentir dor.

E dormiria dias, noites, dias, noites.
Até o dia se atrever a chuviscar.
Até o dia me beliscar de frio, e ir me desenhando aos poucos.

Primeiro o esboço, o esforço. Depois as linhas levemente definidas.
A silhueta, o perfil.
E logo as roupas. As não-roupas.
Os sapatos desamarrados, as mãos no chão.

E lembrar que nada parou de doer.
Nem por um segundo sequer.

Foi borracha desgastada, só.




Da próxima, tento o apontador.
Ou o backspace.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Cor da pele.

E o verão já começa a sofrer de outono. Os cabelos se arrepiam, a pele não fica para trás. A cor muda, de branca para levemente arroxeada, os labios esquecem o sabor da água.

Fica para trás o sol, quente e úmido do verão ao mesmo tempo frio, nublado.
A linha tênue entre as duas estações começa a ser rompida.
Qualquer linha tênue, ligações brilhantes amantes começam a ser rompidas.

O caos se inicia, entra de tapete vermelho no meio da multidão.
Entre eu e você.

Do meu lado, a multidão rala, cheia de altos, baixos, e crimes inafiançáveis. O inferno na Terra. Adorável Terra.

Do seu lado, o azul, o eterno verão, brilho inquebrantável, forças incontroláveis. Anjos nos vãos da escada a guarnecer os desavisados. Olhos tenros, ternos. Sorrisos e vitórias. E afagos.


De nada valeram dor, ou esforço, ou pé no chão.
De nada valeram minha cor, minha roupa, meu pé no chinelo a evitar o piso gelado.
De nada valeram as tentativas ou esquecidas ou investidas ou permitidas ou ah, idas.

E por idas e vindas o cheiro desgastou.
A transmissão falhou.


Nem a última noite me salvou do eunãoseioqueestoufazendocomvocê.
Nem a última manhã.
Nem os últimos anos.



E como não tenho com quem conversar, durmo.
Mesmo sabendo que nem nos meus sonhos o sol se faz presente.
Mesmo sabendo que amanhã tenho que acordar.
Trabalhar, almoçar, sorrir, comer e dormir.
Acordar.
Trabalhar.
Almoçar.
Sorrir.
Comer.
Dormir.

Por alguns dias seguidos.
Até acabar, enfim.



E há de acabar um dia.



Ah, se há...

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Pega aqui.

Ana, roubei sua maçã.






Abri a carteira e não era pra achar dinheiro. Nem carteira minha era, nem dinheiro meu era. Carteira preta, reluzente, com fecho prateado e reluzente. Reluzente demais. Queria ver seus compartimentos, desisti. Mas era carteira. E preta. Ótimo.

Só que reluzente, apesar de tudo.

Mesma coisa acontece no que é perfeito. Em algum lugar da perfeição fosca, aparece a parte reluzente. Aquele brilhozinho exageradérrimo que me faz tremer nas bases. Não quero que seja tudo liso e fosco. Não precisa ser liso, entende. Basta ser fosco. O brilho, quero dar eu mesma. O enfeite que falta quero que seja minha doação.

Tenho brilho demais. Talento para a afeição.
Talento para o esquecimento.


Talento verde, aquele com castanhas do Pará.

Resolvem qualquer perrengue.

Mato.

Matei meu dedo hoje. Tudo porque ele não parava de pensar. Nesse caso, mato mesmo. Dedo não pensa, age. Dedo não se recolhe, aponta. Dedo não quebra, torna a se abrir, se desconjuntando e se conjuntando à medida que a cabeça de verdade começa a pesar. Não. Pensar. Ah, ok. Pesar também, vai.


Pensar dói! E o pensamento pensou que deveria parar de pensar nisso e acabou pensando mais e pesou. Deu muito mais de uma tonelada. Aliás, nem deu pra quebrar. O número é muito maior do que a balança digital é capaz de medir. Numa balança de ponteiro, os ponteiros desistem no meio do caminho cansados de contar.


Sério, agora.

Larguei os dedos pra trás e resolvi mexer as coisas com a mente.
Dedos, pra que te quero.

Correram direto para o banheiro, enfiaram-se no vaso e deram descarga uns nos outros.
Adoram nadar, olha que maravilha.

Sério, agora, Mirandinha.


- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -

Conta comigo?
Claro, irmão.


Sou todo ouvidos.
Mas, se precisar de dedos, esqueça-os!
Não sei onde foram parar.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Hora.

Tudo a essa hora me irrita. O barulho da água batendo na pia, escorrendo, escorrendo, escorrendo. E, suspensa, penso nela. Parada como em fotografia, que congela sem endurecer a percepção de imagem. A gota continua molhada, transparente, brilhante e furtacor. Intacta, sem volta, sem esguicho, sem som. O som é o que mais me irrita. E penso se não existisse, imagino o silêncio absoluto como minha redenção, minha paz, meu desespero. Eternos...

Caminhei até chegar onde não queria estar e subi decerto as escadas erradas. Peguei nos livros pesados e coloridos que não queria encostar e sentei no chão quadriculado. Perdi um tempão olhando. O que não me lembro, mas olhei muito de fato. Foquei e desfoquei. A visão, mentes. E me despreparei sobre o que vinha no futuro. Desci as escadas que não queria pisar. Saí pelas portas que não deveriam ser abertas a minha passagem. Descobri a mesa ao meio, e me senti fora de mim. Eternos...


Eternos os sonhos meus. Hoje simples, simples, tranquilos. Os carregados larguei de mão. Luta árdua, luto pelo meu interior todos os dias. Toco com a mão as dores, todos os dias. E sem poder carregá-los sinto-os como se fosse eternos. Como os sonhos e como as caminhadas ao sol poente de um céu abençoado de mar. O som do mar... este não me irrita. Me alivia as penas e os pesares e os penares e os poderes todos. Os de adivinhação, tão tensos e intensos que fazem minha cabeça moribunda rodar.

Valha-me Deus Nossa Senhora. Me dê forças de mais um dia, mais um dia seguir em frente. Em meus princípios, em minhas caixas de conhecimento, em meu amor. Atribulado, amor, mas amor desde meus tempos de menina/menino. Aqueles tempos em que tinha cabelos curtos, voz fina e jogava futebol na rua até o anoitecer. Futebol, queimada e o raio que o parta, porque bete nunca me deixaram jogar. Fato que ainda tenho voz fina, mas cresci e agora sim, posso jogar. Como bem entender, nas minhas regras, delegando os fados que são meus a mim mesma e ao meu espírito corredor. Corre de mim com o diabo foge da cruz. Tadinho, todo esfulhachado, esgrinlhado e firunjido, espírito. Quer mais é se esbranquiçar e virar santo, sagrado, intocado e esquecido dentro de mim.

E valha-me gota fotografada.
Renda-se à gravidade, mas seja silenciosa ao cair na superfície metálica.
Ah, sonhos e momentos e lembranças.
Me deixem dormir. Agora e apenas.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010


Caímos.

O porto era o foco do remo, mas a esta altura o remo boiava pela água cheia de nervosismo incontrolável.

Era o vento dizendo como as coisas seriam dali para frente.



Descobri o significado da luta, mãe, dizia a pequena.
E logo se perdia nos devaneios infantis do ser ou não ser eis a questão.
Aos oito colocou a cruz nos ombros sem antes pesar.
Aos doze levantou a cruz com orgulho.
Aos quinze o vento soprava forte, a tempestade chegando.
Aos dezoito, a cruz ruíra, o tempo perdia sentido, a vida era carregada pelo suspiro cansado.


Quase vinte agora, mãe, dizia a grande.
E a mãe calada. O pai calado, a cadela resmungando.
O remédio na lata, o violão na parede, os lápis de cor novinhos em desordem pela mesa.

A caderneta de anotações anotada, desenhada, rabiscada, pesada .
O cabelo desgrenhado, o celular em silêncio, a casca a se soltar.

Mãe, me arrependa.
Pai, me repreenda.
Eu, me senta, me levanta, me cobre, me perca, me sele, me lace e me venda.


Já de manhã o sol me cega.
Já de noite o sol me nega.
Já de sempre o sol me espera.



Sozinho.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Espera.

O mundo gira em linhas tortas, sim.


E o suor cresce, a respiração aquece, todo pensamento fenece até reter-se em um só.
O louco. O beijo.


Inebriante.
Inexistente.
Imaginado.
Distinto e distante.



E se perde na rota linear do pensamento vil, único e vil.
Simples cortante. Simples insistente.
Assistente da própria convicção.
Fechado para negociações.
Invicto. Intacto.
Perfeito.

E a espera, por mais solitário pensamento seja, é rápida, intensa, loucamente vivida.
E na loucura encontro meu conforto pra espera sem previsão.
Aproveito o que não acaba. a espera. à espera.
Espero e não espero.
Ouço e não ouço.

Trabalho árduo.
Suspiro morno.
Ajo feito moço.



Me espera.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Contrário.

Tudo começa no topo.
Tudo logo decai, decadente desde o terceiro dia.
Até atingir o fundo do poço.