quinta-feira, 23 de outubro de 2008

O que você faria?


"Meu amor, o que você faria se só te restasse um dia? Se o mundo fosse acabar, me diz o que você faria? Ia manter sua agenda de almoço, hora, apatia ou ia esperar seus amigos na sua sala vazia? Corria pra um shopping center ou para uma academia pra se esquecer que não dá tempo pro tempo que já se perdia? Andava pelado na chuva, corria no meio da rua, entrava de roupa no mar, trepava sem camisinha. Abria a porta do hospício, trancava a da delegacia, dinamitava o meu carro, parava o tráfego e ria."


O último dia - Paulinho Moska



Me diz o que você faria!
Me diz o que eu faria!
O que eu faço.
O que faço.


Um caminho, dois caminhos, três.
Uma escolha, seis escolhas, mil.

O ponto de interrogação roda, e faz arder.
É bola de magma, vulcão.


Nu; vestido. Só; acompanhado.
Protegido; sem guarda-chuva.
Futuro; presente.



Se soubesse que o mundo terminaria amanhã, não teria dúvidas.
Fácil escolha. Ficar e esperar o fim.




Existem duas cordas. Uma em cada pé.
E existem duas de mim. A de cima e a de dentro.
E são siamesas. Inalteráveis.


O que você faria?


Abri as portas do meu hospício...
E o que sai de lá, só Deus sabe.


Escuta: fica. Pensa: vai.
Inquieta atenta aos dedos raspando as cordas: fica.
Espera para o alcance: vai.


Respira, abraça, toca: fica.
Vê o tempo passando: vai.
Vê todos os semblantes ou silhuetas conhecidos: fica.

Dorme: vai.
Dorme junto: fica.
Olha: fica.
Sente: fica.
Fica: fica.
Coragem: vai.
Medo: fica.
Destino: interrogação.
Força: zero.
Paciência: choro.



Lágrima: fica.
Lágrima: vai.




Quer: fica
Precisa: vai.






Me diz o que você faria, porque eu não sei.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Anouk


Gosto do que não precisa explicar.
Gosto do curto e do solto, porque dizem tudo a quem precisa entender.
E o que vier de belo na criação, que fique. Que permaneça.
Que chova chá com mel, que deite resfriado, que fique nu sob a janela na madrugada ventania. Que se contraia num susto, que ouça no silêncio interno o barulho do lado de fora.

É o que nunca foi antes.

As fronhas macias cercam os cabelos soltos revoltos como as palavras que se jogam. O lençol combinado, antigo, e por isso melhor que qualquer novidade, escuta o deslize das lágrimas, sente o cheiro salgado de uma ponta de desespero. Testemunha as fungadas da enfermidade, a tosse da rouquidão. E silêncio.

A cadeira preta se esconde num canto, para não ver os olhos se fechando, ao mesmo tempo em que as lágrimas vão secando no caminho entre os olhos e o maxilar. E silêncio. Salgado, quente.

Entra sonho, sai sonho. Sonho bom, sonho pesadelo, sonho vazio. Os braços cruzados, unidos, juntos, jogados, dormentes, inquietos absorvem todo o macio do edredon violeta. Se são dois, se é um só, não há diferença.

A agonia se esvai como vapor d'água.
A pontada de desespero parece nunca ter existido.
O sono chega pesado, mas não consegue se impor.
Porque há o que é mais pesado que o sono.
E o que era lágrima vira roupa fora do corpo, sapato fora do pé.
Um resmungo, um movimento, dois movimentos, um resmungo mais forte e a fome. O cheiro marcante.

As meias ao lado da cama, os chinelos comportados, o quente, o frio, o contraste, preto, branco, os remédios gripais, o leite. O sono, pesando, se impondo, enxendo o quarto de escuro. O gosto, o doce, a boca seca, saliva perdida; líquido.



Abraço.
Dorme.







E quando tudo parece parar, o dia vara a cortina...