quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Take your time.

"Whatever tomorrow brings I'll be there,
with open arms and open eyes."


Kindness.

Tenho aprendido. A ser doce, a calcular a passagem do pensamento pro vento, a ponto de proferir apenas o que dê contento. Ao próximo, lascivo, vivo ou doce também. A respeitar o olhar irônico, a comparação péssima e o tempo necessário à respiração. De mim, agora, só sai a pura honestidade. Simples, mas sempre doce.

Não sou ferro, sou brasa que queima. Às vezes e só às vezes, porque sou humana completa, errada de todas as formas possíveis, certa em plenitude, como deve ser. E cada vez melhor. Não quero provar nada pra ninguém, nem mostrar que mudei, nem dar show do que plantei, muito menos ouvir que tropecei. Quero ser o que brota, o que planta, o que colhe e não o que destrói. Sim, o que transforma. O que produz e sente e o que deixa passar, o que deixa suspirar e respirar.

Doçura. Delicadeza.

Sou carinho a cada passo e cada passo provoca um pensamento apenas. E de cada um deles, vem o início da ação. Ação pensada, cinco, dez, trinta, mil vezes. Pra trazer o bem e apenas o bem. Não sou mais pregos grudados na cerca, poderia ser talvez a tinta que ameniza a visibilidade dos buracos, tão profundos e tantos.

E o que fazer quando não posso mais nada a não ser esperar? Não esgotei o carinho, nem o outro sentimento maior. Estou dando espaço. Espaço em mim, pra encaixar tudo e todos que me fazem dar um sorriso, fazer um jogo de palavras, ou ser alguém que nunca fui. Comer um crepe com a companhia diferente, receber uma mensagem brava carinhosa ciumenta e me sentir bem por ter importância. Causar sorrisos e só sorrisos, em mim, em quem me paga um lanche. E ser, deixar passar, deixar ir, aceitar, sem programar, sem se preocupar.

Trabalhar, me esforçar, viver uma vida que nunca conheci. Cometer erros gostosos, mas cometidos com a melhor intenção, com suavidade.

E passar suavemente. Andar suavemente, respirar suavemente, responder suavemente, silenciar a palavra ardente. Quietar num canto só meu, quietar num canto onde outros abraços são possíveis e outras vozes audíveis. Quietar num canto acolhedor e observar os gestos, o tipo de cabelo, tantos pares de sapato diferentes.

E independente das minhas escolhas ou ações, dos meus mundos, de todas as minhas vidas separadas, cada eu em alguém diferente, estarei aqui com as minhas portas abertas pro vento entrar. O vento mais querido, mais colorido, mas desejado. Aquele que passa com o perfume peculiar, único. Aquele que se senta e que adormece no colchão ao chão. E que observo simples, receando um movimento brusco. Aquele que faz o pulso, a marca, a reação. Aquele que traz a vida mais intensa e poderosa. Aquele que é meu espelho e meu oposto, meu alimento de força e avidez.


Aquele, que, se não vier de um jeito, será bem vindo de qualquer outro. Porque um amor que nasce é amor que se mantém vivo das maneiras que a gente desejar que viva. E quero que viva, construído e aberto da forma que precisar ser. Mas sempre, sempre suave. E eu sempre, sempre aqui. Sem esperar, sem desejar, sem impulsionar ou questionar. Aqui, pra receber, aqui pra colher, aqui pra simplesmente ser.



Suave, tênue.
Laço inquebrantável.
Sem nada mais pra querer ou exigir.




"Would you choose water over wine?
Just hold the wheel and drive."

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Eu costumava governar o mundo.

O mundo que girava ao meu redor. Pessoas, passos, pastos, postes, portas, porcas, patas e pastéis. Ah, os pastéis. Principalmente os pastéis, dos quais fazia questão de rebaixá-los à classe miserável do meu reino. Colocava as porcas prontas para perfurar paredes, muros, pneumáticos carecas, cercas. Ah, as cercas. Principalmente as cercas alheias, das quais fazia questão de mentir para mim mesma, ao pensar que dominava só por fazer uns furos aqui e outros ali. As patas, as mantinha presas ao chão de madeira corrida. As portas, sempre fechadas, deixavam as dobradiças cada vez mais depressivas, tão inúteis se tornaram.

Os postes iluminados, antes da classe alta, a classe Branca, estavam agora apagados. Mas isso era quando eu costumava governar o mundo. Os pastos eram lindos, amarelos assim. Diferentes, era o que eram. Diferentes, mirrados, inabitados. Nem os porcos das porcas se interessavam.

As pessoas, elite da minha sociedade, cada vez mais abençoadas, brilhantes e altivas faziam parte da minha corte solitária. Eram pessoas sim, fantasmagoricamente lindas, inacreditavelmente perfeitas.

Então a coisa, os esquema, a cadeia era assim: a música profana, também conhecida como Rock'n'Roll, blues e jazz faziam companhia aos pastéis. O metal também ficava bem quando se juntava às barulhentas porcas perfuradoras, que, por mais úteis que fossem, ainda eram meras operárias. Brutalidade não fica bem na corte. Não havia guerras, meu país era sufientemente pequeno e inofensivo para que houvesse nunca tivesse havido importação de ataques. O país era completamente autosuficiente em bombas. Também não eram exportadas. Explodiam ali mesmo, a formar crateras de terra vermelha infértil. O purê de batata era indigente, junto com os grupos que tricotavam durante três estações do ano para se aconchegar ao calor das lãs no inverno. Pobres tricoteiros, vida breve, perderam-se em algum ponto-meia dos fios e das bolas de lã. Os livros, tão misteriosos livros, guardados bem a sete chaves nos baús da minha realeza. A música, cada vez mais sacrosanta, me tornava uma rainha mórbida, não importava quanto fossem os esforços dos bobos da corte. Muitos bobos. Eu os escolhia a dedo, por aparência, inteligência, dinamismo e maldade. Eram tantos, mal cabiam. Pão de mel? Mel amarelo, racismo na veia. Era colocado no último lugar de todo o esquema. Era desdenhado, torturado e destruído. Reduzido a pó. As surpresas, ah, as surpresas, assustadoras e distantes. Sempre ao lado do purê de batata. Não existiam patas. Nem sabia o que eram patas.

Foi quando caí do trono. Foi um tombo lento e dolorido que me deixou cicatrizes e lições. Tantas cicatrizes que quase poderia me amargar pelo resto da longa existência solitária. Caí, reto e certeiro nos braços de um caixeiro viajante, nada desejoso de virar rei. Ele não queria governar, não queria apontar, acusar ou julgar. Não queria encarar, nem retroceder. Queria erguer-se diante de suas provisões necessárias para o resto da viagem. E o segui sem aviso prévio, sem saber aonde iria parar. Não havia cavalos a frente dele, não havia carruagem abaixo. Nada de príncipe encantado. Só haviam seus pés, ávidos, sedentos de novidades, terras novas, lendas e retratos frescos.

Parei de governar meu mundo. Deixei para trás o barulho. Foi quando conheci as patas. Negras e sujas de poeira esvoaçante. Patas grandes e pesadas, que, da inexistência, passaram a ser parte de um coração que começava a bater. A viagem não me levou a lugar nenhum além do meu próprio reino, só me tirou dos olhos a venda que me cegava. O preto branco vermelho com escalas de cinza deram lugar a negritude absoluta do animal que me carregava. Animal enorme, que aprendeu a caminhar ao lado do caixeiro viajante tocador de cítara. Na visão de humana, apaguei o desejo real de colocar ordem as coisas e deixei o caos tomar conta da terra. A minha terra. Tirei os chapéus dos bobos. Estes tornaram-se as pessoas que me acompanharam durante todo o meu reinado e que continuaram comigo na minha viagem ao redor do mundo. Meus amigos, minhas famílias, agora na elite do meu coração. Não havia mais nada a dar, não havia riquezas - tinham sido esparramadas aos produtores das bombas catastróficas. Sobraram os livros e os distribuí às pessoas, que agora, tão normais quanto eu, pararam de ofuscar umas os caminhos das outras. Éramos todos falhos, agora, anárquicos e falhos. Brilhantes, sim, sem comparações, cada um com sua cor.

O purê de batata, também comi. É inútil preservar o que nasceu para desaparecer.
Descobri que purê de batata, além de alimentar magestosamente, também faz muito bem ao paladar. Assim como os pastéis, que comi até explodir. Até quase explodir, porque as bombas já tinham ido havia muito. Os postes, apagados, começaram a iluminar o caminho e, a minha frente, foram se descobrindo campos verdes, dobras macias de terra, cantos fofos de gramínias e rosas mescladas. Perdi minhas porcas. Propositalmente. Soltei-as para produzir porquinhos inofensivos. Sempre soube que porcas foram feitas apoiar, mas não para continuar perfurando. Eram buracos demais a essa altura. Aprovei a música profana e foi a melhor coisa que fiz na vida, sem esquecer da música vinda dos céus - sem dissonâncias, sem imperfeições. Derrubei todas as cercas. Os buracos remanescem na memória distante, mas é ofuscada pelo irradiação dos habitantes de um mundo tão colorido agora, que quem chega de longe tem que estreitar os olhos para se acostumar. De todos os cantos, de cada banco e calçada parecem emanar feixes de qualquer coisa no ar, como um sopro de cores ou um raio de sol. E tudo parece se encaixar tão perfeitamente que até o pão de mel, de acordo com o chocolate, encontraram um lugar para ficar: meu estômago saciado e agradecido. Sei que o pão de mel também estaria se sentindo o máximo.

Minhas terras, agora não eram mais minhas e eu não governaria nada mais. Nem meu próprio nariz. Meu coração era dono de mim e companheiro das pernas andantes. O caixeiro e as patas continuam pesando nas minhas costas. Mas, como se disse, eu carrego um peso leve, delícia de carregar. Vira e mexe, me ajoelho e me curvo, diante d'O Maior. Para agradecer, não para largar ao chão o fardo. Fardo gracioso, encantador. Alivia a pressão e descarrega o corpo da adrenalina excessiva.

Daquelas riquezas, além dos livros, só guardei a cadeira de balanço com as lãs, que pendiam esquecidas dentro do estofado.
A cadeira de balanço, para sentar e compor lembranças sensacionais.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Sensibilidade

Sei que é à flor da pele quando atravesso a calçada e vejo meu interior intangível indo embora com o barulho do carro velho. Não sabia se mandava flores, se gritava versos, se soprava um olhar sem expressão, daqueles demorados de doer a espinha. Sei que ia embora junto com o motor que sempre demora a dar partida e que morre nos lugares mais inapropriados.

Passei pela cozinha em silêncio depois de ter trancado a porta, enquanto via através do vidro embaçado o carro escuro sair devagar, roncando lento até desaparecer. Não me demorei, não fiquei a ver o carro ir embora de propósito. Só queria trancar a porta antes de me enterrar de vez na zona de perigo, tão bagunçado o quarto. Fui colocando as coisas no lugar enquanto a fome vinha, enquanto as agulhas abandonadas num canto da escrivaninha me olhavam atenciosas. Era hora de tricotar.

Sei que é forte e intensa quando a boca estoura em bolhas de água. Estressando e esticando meus músculos, marcando a testa, roendo a unha dos dedos, soltando deliberadamente ácido gástrico quando meu cérebro não recebeu nenhuma mensagem da minha boca. Nenhuma mastigação, apenas a boca aberta de cansaço. Catei as agulhas, antes enfiadas na gola de lã a formar um x, agora finas nas minhas mãos, desejosas de uma agulha um pouco mais firme. A de plástico traz o tipo de lembrança que não quero acender. Mas é só o que me vem. Lembranças e lembranças. Arrepender-me do que fiz é exatamente arrepender-me do que não fiz. Briguei e me arrependi por não ter compreendido. Falhei e me arrependi por não ter me esforçado ainda mais. Perdi e me arrependi por não ter acertado o caminho. Me arrependo apenas do que não fiz, que é o mesmo que me arrepender do que fiz.

Sei que é suave, a sensibilidade, quando não sobra nenhuma imagem. É quando fica o formigamento, é quando o corpo sente a ausência como se estivesse agarrada à matéria firme, viva. No entanto, longe.

Incrível. Vemos nosso mundo ao redor e nos esquecemos de olhar nos olhos.
Esqueci de ver o que estava do meu lado, ou no meu colo, ou me segurando nos braços, pra ver o que tinha ao meu redor. A bolha de intimidade faz exatamente isso: me intimida. Acabo em pensamentos avulsos, esquecendo de olhar os olhos. Às vezes, já nem se lembram da cor dos meus.

E mais um dia. Mais uma madrugada. Mais um nada aqui dentro.
Meu quarto é puro papel e cama. Falta o recheio, a cobertura.
Falta pouco, espero.


Sensibilidade. É quando o sol nasce na gente antes de despontar no horizonte, é quando o inverno cresce, a frieza assoma, o escuro absorve antes de sobrar solidão. É o anterior ao acontecimento, é angústia e ânsia.

Sensibilidade é uma praga imunda porque eu odeio ser sensível.
Mas amo, e brigo e... fazer o que?
Me recolher. Entre amar e brigar, escolho viver.


E seja o que Deus quiser.