sexta-feira, 24 de abril de 2009

Sono...

É quando o espelho diante de ti passa a significar o quadro da mulher desconhecida.
É quando a mão estendida diante de ti não tivesse significado absolutamente.
É quando os dedos aparecem comidos, é quando o medo da escuridão se desfaz em gotas de cristal líquido.
É quando o mundo se descobre para mostrar os detalhes a olho nu não vistos.
É quando tudo cresce e explode diante dos teus olhos redimidos. Ou não.

O pecado, necessidade básica, seio pronto, mamas inxadas.
A sina, descoberta mútua, amor lascado, dança ritmada em pulsações cardíacas.
O bumbo, o batimento visceral do que foi feito para gerar.
A sensibilidade, vermelha, visível, dolorida.
A força regada ao respeito inacreditavelmente presente.
A vitalidade da nudez ao som do escolhido.
O som, gutural, interno, rude e espontâneo.
Curva aberta e cascalhenta sem aviso de segurança.
E o aro se lança em direção ao mundo oco.

É quando não reconheces a própria pele, o próprio cheiro.
É quando não inalas o suor exaurido.
É quando o rumo parece desvanecer.
Um desvio de olhar e tudo se foi.
A compreensão do fundamento humano, a próprio índole.
Sem ver, cega de mundo, cega de mãos e bocas, cega de carne, músculos e gordura
Me acho no afastamento.
Meu mundo termina quando o do outro termina.
Meu mundo termina quando vou dormir.

Adormeço como se fosse a última.
Adormeço até doer.
E dói, como dói tudo o mais.
O gelo, o fogo, o perdão.
A foice, a faca, o cordão.
A cara, a vista, a cera, o pão.

Acordo como se fosse a última.
Acordo até doer.
E dói, dói como tudo o mais.
O pedido, a escolha, a desculpa.
O meio, a flor, a culpa.
O selo, a correspondência, a luva.

Visto-me como se fosse a última.
Visto-me até doer.
E dói, dói como tudo o mais.
O recolhimento, a ordem, a fava.
O movimento, a articulação, a lava.
O assunto, a expressão, a forte clava.

Vivo como se fosse a última.
Vivo até doer.
E dói, dói como nada mais.

Reconhecimento

Ferro, cálcio, falta cor.
Na janela brisante uma força pulsa, inerte ao movimento da alma.
A unha fraca se quebra entre os dentes, sem a menor resistência.
A mente oscila em busca do que sobrou, em busca de uma autêntica rouquidão.

Todos os sentidos falham ao tentarem reeguer-se diante da limitação léxica.
Todos os sentidos falham ao tentarem erguer o abstrato, o intocável e ilimitável.
Dislexia, dor , frescor, lenta agonia.

Os limites inalam a trapaça, a ultrapassagem, o passo. Lenta agonia.
Como estaca deixo-me estar no início de tudo. No fim de tudo.
O que me consome não mata, acaricia.
O que me consome não mata, tortura.
Tortura mentirosa de rostos audaciosos, maliciosos, anti-ociosos.

Deixo-me estar no interior amplo e exato do nada.
Onde posso me abrir em chamas, em garras, em folhas, em pedaços.
Onde posso berrar o nome de quem clama por verde. O verde em folhas, que paga a comida.
Deixo-me estar no fundo do que ninguém pode entender como produção.
Deixo-me estar em mim.

Mim. Pronome irreconhecível.
Cada hora, um mim incrivelmente solto, incrivelmente plausível e incrivelmente lascivo.
Cada hora, um mim novo, alguém renascido das trevas. Lenta agonia.

Deixo-me estar no consciente dos meus sentidos cinco.
Como rosa redonda ave de rapina.
Como prosa em verso, como verso do papel.
Deixo-me estar em mim.
Na preguiça finita mergulhada no infinito monte de mim.

É quando acordo devagar, cedo, com cheiro de sono no ar pesado.
Meu ócio me corrói, me consome, mas não mata.
Meu ócio me quebra, me parte e me reconstrói.
Meu ócio produtivo, minha redoma de vidro.
Alguém alcança. Um dia.
Lenta agonia.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Versatilidade

De cantor a ator
de dançarino a poeta
Quem adivinharia pelos olhos tanta modificação

Olhos que calam
Bocas que olham
Calos que falam
Pra mim.

Há quem diga que há no inferno
um Deus vermelho com chifres
Eu digo que lá faz frio
Eu digo que há ninguém

Ninguém
Ninguém

Só eco, oco, eco, oco

Senhor! Ecoa suor
Senhor! Ecoa óleo
É tudo luz
As trevas só ilusão
Lá é tudo luz e alta tensão

Esqueceram-se das trevas.

Esqueceram-se das trevas.
Hoje é tudo prosa.
Hoje é tudo rosa.
Esqueceram-se das trevas.
Trevas espessas figuradas pairadas
Manadas pesadas de pura marca.
Marcas sem lamento
Rimas sem contento
Vento...

Esqueceram-se das trevas
Que fazem tudo rodar
Esqueceram-se das trevas
que a todos dá lugar.

Ah, sangrento pulso
sangrenta sorte
sangrento amor.
Amor banhado em ódio intenso
Sangrento grito
sangrento argumento

Mamãe, mamãe
Dê um lugar a mim na sua treva pessoal.

Me curvo diante da vida,
brilhante vida
pra da hipocrisia longe passar
E passo, na sombra tremida
de árvore. Ventania

Me encontro, ausência de luz
Me perco presença brilhante
Brilhante leigo, brilhante satisfação

Fingimento cansa
Treva repousa e nela descanso.
A treva de mim
A sombra de mim



Meu lugar, enfim.



Esqueceram-se das trevas.
De mim ela não se esquece.

Repetição.

Não me sai.
Rádio soprando, mesma canção.
Não me sai.
Ácaro grudado, pó de diamante.

Falo com os olhos
como se inventasse o que dizer
E prego, rogo em pensamento
Por não ter o que dizer

E magro, largo sangue
Poro suado, excremento de pele
Largo dor, e mestro
Sem possuir coisa.

Aos dedos me fogem
a cera que compõe pensamentos.
Aos dedos, fissurados, largo sangue de raspagem cerebral

Tento.
Não penso.
Vago.
Imerso.

Imenso mar de ar.