quarta-feira, 15 de junho de 2011

Saudosa maloca.

A saudade é... indescritível, mas não posso voltar.

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Acabo de voltar das compras pesadas, esquento o arroz e começo um omelete para duas dos quatro ovos que trincaram pelo caminho. Corto o presunto, o queijo e tento me lembrar de como minha mãe, linda, fazia aqueles vários omeletes deliciosos completos uns redondinhos e outros completamente disformes. Eu sempre escolhia os disformes, claro, eram mais divertidos. Gargalhadas eram soltas toda vez que um omelete ia contra as nossas expectativas, mas sempre éramos recompensadas com os gostos diversos muito bem temperados. Penso no amor que tenho dentro de mim e associo à comida, já explico o porque.

Termino o omelete de quatro ovos para duas e parto ao meio. Uma parte vai no prato, a outra na cumbuca já que o segundo prato está sujo. Minha companheira de quarto não quer o arroz, então raspo a panela, entrego o prato para ela e me sento na cama. Tudo quentinho, novinho e bem a cara do que comeria na fazenda na companhia da minha mãe. Mal paro de pensar nela para escrever um e-mail e o telefone toca. Eu já sabia que era ela. A emoção tomou conta e quase não consigo dizer oi. E a conversa, tímida de minha parte, começa...

Costumávamos ir nos fins de semana para a roça que não tinha nada de roça. Era lindo lá. Amava aquele lugar com tanta força que queria que o mundo inteiro fosse ali e que fosse meu, dos meus bichos e da minha família. Eu lia livros inteiros num dia só, bem preguiçoso de chuva e cavalgava todas as fazendas num raio de 20km, pelo menos. Descia o rio de enchente no verão, tomava leite fresco pelando, café com biscoito maria e manteiga de casa. Mas o meu paraíso particular era atingido quando o sol de meio dia torrava todos os meus miolos e a fome de adolescente chegava urrando querendo ser saciada. Entrava correndo pela cozinha pequena gritando "mãe, to com foooome" e logo sentia o cheiro fantástico das panelas ainda quentes cheias de um almoço super caprichado. Quando faltava carne, tinha sempre na panela arroz e milho, arroz e milho, arroz e milho. Tudo fresquinho, na medida certa para duas. Foram com certeza os melhores dias da minha vida. Não foi escolha minha deixar aquele mundo para trás, mas influenciei para que ele fosse deixado com certeza. Hoje eu fincaria o pé e não arredaria de lá, mas naqueles tempos de espinhas na cara e paixões desabrochando queria saber como era a vida na cidade. Festas, shows, mil amigos e experiências urbanas. Hoje, troco tudo isso por uma vida no pé da serra com um cavalo no quintal. Sem piscar.

Todas as pessoas que amei e que ainda amo me alimentam. Um café da manhã na cama, um sanduíche no lanche, uma carona até o sushi mais próximo. Em datas especiais, pão de queijo e strogonoff de frango com cogumelos enormes, leite quente para dormir. Minha mãe costumava bater na porta do quarto, entrar devagarinho e perguntar se eu estava com fome. Um gesto tão simples que sempre significou o mundo para mim. Agora eu faço minha própria comida. Aprendi a cozinhar e tenho a quem puxar a mão boa para um arroz soltinho, mas não posso evitar a saudade que bate mais forte nas madrugadas quando sei que ninguém me perguntará se eu gostaria de umas torradas com requeijão ou geleia de amora antes de dormir. Um cappuccino, talvez, querida? Não, mãe, obrigada, estou bem. Aceito um beijinho e o seu jeitinho único de me colocar na cama com um cafuné e um boa noite macio de anjo.

Nessas horas tenho vontade de voltar correndo e compensar os vinte e um anos de alimentação que minhas mães me deram. Fico querendo agora demonstrar na mesma moeda. Faço o café, pode deixar. O arroz e a sobremesa por minha conta. Déda, como é que faz o pão de queijo mesmo? Não, não senhora, sai pra lá, quem vai fazer isso sou eu. Mãe, sei que você está ocupada no computador com seus alunos, mas... quer um lanchinho para adoçar um pouco essa vida que anda tão complicada ultimamente?

E pensando assim vem a vontade de comprar outra passagem sem volta. Uma para minha terra natal, para o meu berço de ouro. Uma passagem de volta, na verdade. Voltar para minha casa gelada no verão, quente no inverno. Meus amigos... Nada mais tentador do que estar no lugar que sempre foi a minha cara e que sempre me recebeu como a uma rainha. As pessoas daquela casa... nada mais precioso que aquelas pessoas dentro daquela casa.

Só não posso. Não posso voltar. Se eu quiser ser alguém na vida, preciso ficar aqui, ralar aqui e sofrer aqui. Me contentar com a comida que eu mesma faço, com o leite quente que eu mesma preparo, me enrolar na cama que eu mesma fiz. Deus sabe como eu queria poder fazer tudo isso perto de todo amor que há nessa vida. Mas não posso, tenho que seguir em frente.

Não vou desistir, mas se não alcançar o objetivo, sei que posso seguir o cheirinho de comida bem preparada no fogão, num dia de domingo ou em algum outro dia qualquer.

Um comentário:

Magda Castro disse...

Vc é mto jovem pr sentir saudade assim. Vc tem uma vida plena pr viver e deve manter esses tempos lindos como energia pr seguir, e só. Num trecho do texto vc disse que tem que ficar longe, pr lutar, sofrer etc. Se esqueceu de dizer "viver tudo o que merece" pq mesmo que quisesse, a vida não tem só sofrimento pr nós. Tem alegrias misturadas, às vezes mais discretas que a dor. Entretanto, considerar válido todas as experiências torna quase agradável até a maior saudade. Tempos bons demais aqueles da fazenda, mas pretendo que outros tempos bons se avizinhem de nós como, jantar num restaurante lotado de gente barulhenta numa rua qualquer de São Paulo com vc me dando lições de como viver nesta cidade. Faça planos, minha filha amada, vire toda sua energia pr o futuro, pr o que pode ser de real daqui pr frente. Mesmo pq o que passou, o que vc viveu, fará parte de vc pr sempre mesmo que esteja distraida em viver o presente.
Mesmo assim, o texto é mto bem escrito. Vc pode botar o bloco na rua, por assim dizer.
Mas, tem portância não; esse seu jeito de momento é só pq vc ainda está em começo de vida nova. Qdo tudo engrenar, a vida vai levar vc junto e tudo ficará mais divertido de lembrar. E, nada impede de vc construir o seu mundo num lugar tão, ou mais, bonito que aquele. Basta que vc queira o suficiente.
Te amo pr eternamente.
Magda Castro