domingo, 2 de fevereiro de 2014

There you go.

Nunca achei que fosse do tipo workaholic. Na infância e adolescência inocentes imaginava que ter era ser e que tudo seria simples como nos filmes franceses delicados e sensuais. Minha vida se transformou depois que assisti ao filme que me apresentou a personagem mais linda que ainda hoje toma conta das minhas lembranças mais amáveis: Amélie Poulain. Não sabia como seria viver seriamente até que minha vida então se transformou novamente ao descobrir as feias formas que a vida pode tomar. Não sabia que era possível ser mais feliz do que triste até que, mais uma vez transformada minha agridoce vida, descobri que todas as coisas são necessárias para serem e estarem exatamente onde são e estão. Isso é simplesmente sensacional e sou muito feliz por poder enxergar essa importância.

Da primeira vez não trabalharia. Segundo o estilo de vida Amélie Poulain, sonharia ao me levantar e ao me deitar, andando sem capacete em uma lambreta amarela pelas ruas de uma Europa ensolarada com cores fortes e fotografia retrô. Todos os meus estudos seriam jogados para o alto e viveria de consertar a vida das pessoas amadas e precisadas de carinho, afeto e, bem, conserto. Trabalhar numa lanchonete seria tranquilo e traria o príncipe da minha vida com um recado no vidro de pedidos do dia. Seria feliz em um apartamento pequeno decorado de vermelho e verde como natal o ano inteiro como se decoração interessante não custasse uma penca de dinheiros.

Trabalharia amarga se me tivesse estagnado na segunda grande transformação da minha vida, inserida por completo na negatividade absoluta. Sentiria ódio ao acordar e dormiria reclamando do péssimo dia que passou e que fez questão de me esmagar. Nenhum deus existiria e o diabo comandaria cada segundo relativo de eternidade onde um dia demorava eras para finalmente terminar. O diabo e seus diabinhos entrando pelas frestas da porta e arrombando meus sonhos em todas as noites de pesadelo intenso, monstruoso, cheio de cobras e animais rastejantes, com veneno e grama não seria surpresa alguma. E não me pergunte o por quê da grama.

A terceira grande transformação me colocou os pés no chão e pingou em meu rosto um sorriso que não se desfaz por pouco. Cada carinho se estende na memória por dias enquanto as quedas ficam obscuras, escondidas no passado que... passou? Não consigo entender quem vive no passado. Ele é importante, sim, mas não define o que sou ou o que vou ser. Os erros e acertos foram importantes sim, mas não definem meu caráter ou o que quero ser. Poucas pessoas têm coragem e força para mudar, por isso tantas outras não acreditam que a mudança seja possível. Por isso decidi ser a prova viva em carne branca cicatrizada de uma pessoa do cabelo ralo e curtinho que conseguiu sair do buraco com muito sucesso. Sem remédios, sem drogas lícitas ou não, sem atazanar a mãe ou os amigos. Passei por isso sozinha. Sim, e por opção.

Não deixo o mal dominar e nada escuro toma conta da minha cabeça, por isso sozinha. Ninguém pode controlar o que eu penso a não ser eu, por isso decidi passar por tanto sozinha. Sou uma lagartixa ao sol, iluminando a pele e aquecendo o sangue. E quando falo do mal dominador não me atenho a nenhuma religião porque não acredito em nenhuma delas. Acredito na pregação do bem e do amor, na troca de bondades e gentilezas sem distinção de cor de cabelos, pele ou olhos ou orientação sexual. Acredito na ajuda e no perdão, que são duas das coisas mais lindas inventadas por essa gente que pisa no mundo, mesmo sabendo que a breve menção dessas duas palavras tem uma carga imensamente religiosa seguida de cultura enraizada. Esquecemos com facilidade que pessoas cometem erros por serem muito complexas em tantos sentidos e passamos a exigir dela o que elas não podem oferecer, ou que até poderiam, mas que optam por não doar. E tudo bem! Somos máquinas orgânicas pulsantes, opinantes, errantes. Esquecemos com facilidade o que somos e definimos os outros pelo que eles não deveriam ser. A diversidade vai parar no lixo e o respeito não é espalhado no ventilador como as merdas da vida dos outros, esquecemos do direito de ir e vir e ser sem precisar ter que explicar e acabamos entrando no beco do peso da autopiedade e da culpa de não termos nascido perfeitos.

Foi quando entendi tudo isso aí que comecei a ver a maior alegria que existe em poder trabalhar e ter cacife para comandar uma sala de aula com um aluno que seja ou pisar em um palco iluminado. Foi quando entendi que os erros são naturais e que a possibilidade de fazer melhor é infinita e pode ser feita incansavelmente. É quando o bem não tem fim: quando determinamos a nós mesmo sermos os melhores possíveis para nós mesmos. E parece tão óbvio e melado que é difícil dar credibilidade às verdadeiras regras de se viver bem e como adultos complexos poucos notam a facilidade de simples atitudes. Até crianças conseguem entender a lógica: se duas pessoas se amam, elas ficam juntas. Se ela quer ir ao espaço, será astronauta, mesmo que ela ainda não saiba o tamanho do esforço para alcançar seu sonho de ficar dependurado fora da força de gravidade habitual. Se uma criança quer brincar, ela brinca. Se uma criança quer correr, ela corre. E a sabedoria da simplicidade é perdida ao longo do tempo quando ela deveria ser cultivada em suas formas mais puras. O amor de uma criança é fiel e sem limites. O amor de uma criança é eterno, de fato. Eterno.

Nunca pensei que fosse do tipo workaholic, complexa, bem-humorada e, sem máscaras, feliz.
Agora sempre me bate um orgulho do tipo bom com a humildade do valor e do reconhecimento, de saber que sou assim porque eu fiz por onde. Eu quis mais do que respirar ser feliz. Então eu me movi. Então eu consegui.

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