quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Offline.


Primeiro desligaram-se os sentimentos. A rede estava completamente desconfigurada, não se achava em lugar nenhum a senha do cerne. O coração batia tão acelerado quanto um coração que vai parar a qualquer minuto. Sem chave, sem segredo, sem cor. Não se via ódio, rancor, tampouco amor e vontades de gargalhos. Era um sombrio escuro que se deixava mostrar em lágrimas esquecidas aqui e ali.

Vontade de voltar e se afogar no mar gelado de um sul que congelou a alma antes de qualquer coisa. Não foi culpa da cidade, tampouco das pessoas. A culpa era dela por se deixar afogar. Caldos e caldos de água salgada confundindo-se com gotas de suor e malgrado. O mundo não parava para que ela adormecesse. O mundo não pararia se ela morresse.


Em seguida os dedos pararam de viver também. Não os sentia. Dedos livres, leves, apáticos, pálidos, quase roxos de um frio que vinha dentro para fora, que emanava pela água e congelava as algas passarelantes. Dedos da mão entre os cabelos curtos desesperados. Dedos do pé roçando uma areia molhada no fundo do mar. Só os peixes, peixinhos, peixões que beliscando a pele branca de marfim sentiam o gosto da morte se enfurecer, se enriquecer e finalmente tomar conta de todo o resto.

De formigamento, os membros passaram a fantasmagóricos. A respiração finalmente cedeu, e respirou sal molhado com tubarões imaginários. Doía como tubarões, presente como tubarões, mas tubarões não gostam de frio, portanto, imaginários. Não tão imaginários como as baleias que arcavam com os sentimentos dela. Aqueles primeiros que se desligaram.

Os olhos ficaram por último offline.
Era o fim da linda, da linha, do marítimo sonho de correr a cavalo pelas beiradas do mar.

Casacos

Começou com um casaco preto, mas a Déda colocou pra lavar e encheu de bolinha branca. Depois o casaco era vermelho e era só meu. Depois virou um casaco azul cheio de histórias pra contar. De repente surge um casaco roxo, tão lindo... mas fiz merda e o casaco sumiu e depois surgiu um casaco cinza que me assustou tamanho conforto e depois um casaco preto de novo que eu não usei.

Desisti de me agasalhar.

Não se morre de frio no Brasil.

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Setembro chove.

O momento mais feliz é quando a primeira gota cai no parabrisa do carro, na janela do quarto ou na flor mais alta da varanda, depois de olhar pelo vazio da rua pelando de um deserto de prédios e casas poeirentas. Era o rosto parando de crepitar e os pés alcançando as poças de lama. A água que caía era o fim de uma temporada de visitas frequentes ao hospital, era a felicidade prateada iluminada pelos faróis dos carros passando.

O primeiro trovão me arrebatou e abriu o maior sorriso da semana. Não precisava de ninguém ali. Eram os carros passando, iluminando as pistas de vento e luzes apagadas dos postes. Eram as árvores se rendendo ao frescor da primeira chuva da primavera. A espera pela chuva tinha acabado. E dos carros do lado de fora dava pra enxergar todas as pessoas sorrindo também, passando sem cuidado pelo asfalto escorregadio. A primeiro chuva, uma bênção e uma maldição, para os que acreditam em mitos mais do que eu.

Pra mim era apenas o fim do meu calor. A chuva pareceu molhar meus olhos por trás das retinas, alcançando um cérebro trespassado de provas vitais e responsabilidade descabida. Os últimos dias tinham sido ruins e quentes e eu não reclamo porque amo ter o calor e poder escolher o melhor modo de me refrescar, mas tinham sido ruins por outros fatores e o calor fazia suar minhas ideias.

Quando o primeiro pingo de chuva caiu no parabrisa do carro, na janela do quarto ou na flor mais alta da varanda, pude ver o mundo se abrir pra mim em resposta às minhas preces para Odin, Oxum, Jesus Cristo e Zeus. Todas as divindades compartilham as minhas ideias e passeiam pelas minhas dúvidas e até o primeiro pingo, tinham fechado todos os caminhos. Pareciam eles também não querer deixar o calor vazar. Quando o primeiro pingo de chuva caiu em mim, as respostas vieram e eu sabia para onde ir e o que abraçar.

Um caminho, uma oportunidade, um amor. Os caminhos se abrem à primeira gota que era pura doação de uma natureza cansada de secar. Secava tudo, sem descrição detalhada. Secava tudo. Até pingar onde eu não podia esperar. Hoje meu coração choveu com o céu.

Saí do carro depois de percorrer um caminho apressada de chuva na cara, amando estar entre a ventania e os trovões. Corri sem trancar a porta. Antes de chegar onde não chovia, parei. Olhei para trás, tranquei as portas e sem tirar o sorriso do rosto, corri para a portaria de costume, pulando a primeira poça de lama. Depois de me sacudir a roupa azul, olhei para a frente e vi o que tinha que abraçar, enfim. Larguei as coisas no chão, correndo e pulei em cima do abraço mais branquelo vestido também de azul, com o cheiro inconfundível de chuva invadindo minhas narinas, enfeitado de pequenas folhinhas caídas da árvore.

A primeira gota, a primeira chuva, a primeira resposta.
Descobri, finalmente, que na minha rua chove em setembro.
E sei que é lindo demais molhar.

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Sobre nãoamor e suas achanças


É que me apavora dizer "eu te amo". Isso não foi de sempre. Enchia a boca pra falar eu te amo, gritando pela bicicleta no parque em público, subindo nas paradas de ônibus ou no silêncio de um quarto morno a meia luz.

Mas hoje eu te amo baixinho. Tão quieto que falta morrer. É só hoje, eu te amo que talvez amanhã e que passe pelas olheiras do tempo e de mim. Desculpa, se eu não conseguir amar depois, daqui a um minuto a uma semana. Os sonhos são tão mutáveis e a vida é tão estranha. Não faço por mal.

Acordo todos os dias com um sorriso e vou sorrir para o resto dos meus dias, mas ainda é tão pequeno, desculpa, sofrer é tão maior. E só me resta o hoje e agora eu te amo que não cabe, mas ainda baixinho. Não tenho força pra gritar. Te amo raro, te amo que me foge fácil no esquecer na leitura e no trabalho.

Às vezes tenho a nítida sensação de que vivo pra esquecer. Não sei de onde vem mais nada. Tudo dentro virou uma bola de confusa massa sentimental abstrata, perdida sem definição e sem os preconceitos da humanidade. Eu te amo só até daqui a pouco. Depois, eu não sei mais.

Eu definho vivendo intensamente os momentos efêmeros como meus sopros. Cada nota emitida é uma nota que morre, mas que fica nas memórias e nos sonhos e no coração, ainda tenho um. Duvida, eu sei, ainda tenho um coração. Mas acho que ele morreu também.

Como largar uma vida de coisas lindas. Me perguntei isso tantas vezes que chegou a doer em lugares que não sabia existir. E dói como ter que abrir os olhos para as frias manhãs. Voar alto também é morrer.

Cada passo me guia pra morte, meu amor, entenda. Sou uma casca, cheia de amores brutos, rasgados, mortos. E a sua vida, vale muito mais do que um cadáver que anda e sorri. Ela mal começou e a minha já acabou tantas vezes que perdi as contas. Às vezes acho que minha vida se foi de vez com os oitenta comprimidos daquele dia de suor e lágrimas. Cada cápsula uma parte de mim. Cada pílula, o inferno em forma de sarar. Foi uma história triste e passou, mas eu não passei. Eu fiquei e morri sete vezes na mesa de hospital. Morrer é como ficar para sempre no escuro, sem ninguém para estender a mão. Ressuscitar é acordar sozinho para seguir sozinho até o fim.

Não tenho medo de ser feliz. Só acho que não preciso ser feliz. Acho que não nasci pra ser feliz. Tudo passou a ser tão valoroso e ao mesmo tempo tão insignificante que só consigo passar pelas horas olhando o sol, sentindo o vento no rosto. Aproveitando os passos e morrendo. Eu só sei morrer. 

Me perdoa? Não posso voltar, e não quero que você volte. Eu preciso que você viva. Eu PRECISO que você viva e siga e não morra comigo. Eu preciso que você me deixe no passado, onde eu fiquei, presa nas minhas alças de mala e na cama dura, amarrada às rodas de um carro sem direção, enterrada na areia dos meus piores pesadelos. Meus dias não tem mais cor e não vejo como as cores possam voltar.

Não há nada que você possa fazer. Me deixe ficar no seu passado, num feliz passado. Me ajuda a te deixar ir, para um futuro mais lindo, mais claro, mais vivo. Eu sou terra e terror, um fim oco, cinzento. 

Agora só me resta fazer o melhor. Deixar uma vida organizada e sem pendências pra quando a minha hora chegar e ela não demora. Gasto muita vida pra sorrir a todo tempo. E dói tanto que aqueles sopros se vão tão rápido. Morro todo dia, ainda. Ainda e pra sempre.

Não me segue, por favor. Minhas trilhas não levam a lugar nenhum e meu sorriso não ilumina mais os caminhos. Eu sou o lado errado da bifurcação, uma estrada sem volta, sem apego, sem choro, sem vela. 

Os opostos são a mesma coisa. Não me atraio a nada. Não tenho polo negativo ou positivo.
E não tenho mais medo, porque sei que essa rua não tem saída. Não tô perdida, não sou renegada e não sou triste. Só não sou. E não ser, talvez seja a pior das humanidades.

Te peço pra deixar. Eu e meus abismos, minhas correntes, minhas cegueiras e dramas e maçaricos.
Eu e eu e eu e eu. Pra te proteger. Só posso te proteger de mim. E isso é tudo. Vai?

quinta-feira, 8 de agosto de 2013