sábado, 9 de novembro de 2013

De pernas pra cima

São pouquíssimos os momentos em que posso colocar as pernas pra cima e não pensar. Não pensar em você e no seu jeito de andar, não pensar no que fazer e que roupa colocar. Às vezes, depois de ter tirado toda a minha roupa sem malícia, fico deitada olhando as estrelas artificiais do meu teto, esperando nada, vendo pensamentos passarem como pessoas na rua na hora do rush. Muitas pessoas, muitos pensamentos. Deixando o corpo respirar o ar limpo de casa limpa. Com o seu cheiro nos lençóis, no meu nariz e na minha fraca memória.

Sinto sua falta. Hoje, sem complicação. Tanto que olho para a mesma janela todos os dias ao passar de carro por ali. Algumas coisas mudaram e meu mundo tem sido tão irreal. Parece que não existo quando a luz se apaga e os vagalumes se afastam escurinhos. Um bichinho de luz pousou no meu ombro de moletom branco. Esse moletom é meu, que besteira a minha de devolver o seu. Não só o moletom, mas a sua presença e o seu amor. Só não queria que me odiasse, mas não me odiar nunca vai ser suficiente. O que eu gostaria que você sentisse joguei fora por querer outra coisa irreal ainda.

Ah, meu bem... como eu queria que você estivesse aqui e me atrapalhasse e anotasse as besteiras que eu digo entre o sono e a vida e respirasse no meu rosto um sonho qualquer.

Volta aqui.

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Não cansei ainda.

Meu exauri, mas não terminei ainda.

Desculpa se tremi no banco do carro, se no fim não quis ajuda e se me afundar é tão fácil quanto sorrir. Me acostumei a ser assim, um sorriso por aqui, uma careta bem medonha ali e máscaras tão profundas que até de mim escondo as sombrias posses da minha alma.

Ainda acho que no fundo, amo. Mas o medo é tão aterrador, abrasador, que ultrapassa todas as coisas lindas, me queima todos os jardins. Um passado tão recheado, um presente tão vazio, uma flor seca e futuro nenhum.

Desculpa se tremi na sua frente e te pedi perdão. Talvez devesse ter ficado calada e orgulhosa sozinha com meu sentimento na mão. Mas como tudo que sou, tenho que extinguir, espalhar, abrir, estampar. E de tantos erros não sou eu a reclamar do seu sono e da tamanha falta dele. Não sou eu a te acordar e te empurrar da cama e espreguiçar em cima do seu cabelo perdido nos travesseiros. E talvez nunca mais seja, a vida é assim. Eu simplesmente perco e sei que a culpa é toda minha todas as vezes.

Desculpa se bebi demais. Se perdi a beira da estrada, se caí no asfalto sujo. Desculpa se minha melancolia foi pesada demais e se no final eu quis pular sem pensar da janela do décimo andar. Desculpa se meu chuveiro derrama quente as minhas lágrimas pelo ralo velho e enferrujado. Desculpa se sou amor do dia do amor, a espera de um amor que já foi amor um dia e que hoje. Meu hoje não existe. Ainda não dormi, então a madruga ainda é ontem.

Desculpa se sou a rainha do drama mais inadequado do bairro. E se a fumaça do meu cigarro acabou com as minhas chances de sucesso. E se o meu fundo de garantia não posso retirar, e se não consigo decorar a placa do seu carro e se minha memória é tão ruim quanto cortar laranja com faca de mesa. Desculpa por ter ido embora e por ter voltado. De novo. De novo. De novo.

Eu só sei ir, até que uma mão me prenda. E não se prenda em lágrimas e não tenha medo quando eu disser eu vou. Não, você não vai. Você fica, porque ao meu lado é o seu lugar. Machista? Intimista? Nazista demais? Quando alguém quer ficar, talvez basta um parafuso para grudar, um prego pra prender, um grampo pra juntar. E quando são só lágrimas e porquês e o que você vai fazer o caminho se abre e eu vou. Quando na verdade tudo o que eu queria era ficar. E se no meio do caminho encontro uma flor, logo ela seca e se vai também, porque o amor, o amor, o amor, ele se faz com um tempo e que tempo que me dá raiva, que não me deixa plantar, que só me faz ir, transportar, aparater, emudecer. Secar.

Tantos anos com isso petrificado, congelado, aparecendo vez em quando em superfícies turvas, sempre na hora errada, porque talvez nunca vá haver hora certa, porque dizem que amor não tem dessas coisas. Mas amor, assim, tão complicado, tem amor de tudo quanto é jeito, eu não sei o que é amor.

E a resposta aparece. O dia nasce, as pessoas andam, acordam, se movem. Eu também, mas o essencial continua dormindo, confortável na cama de coberta roxa, esperando se emaranhar nos cabelos sempre certos, sempre errados.


quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Offline.


Primeiro desligaram-se os sentimentos. A rede estava completamente desconfigurada, não se achava em lugar nenhum a senha do cerne. O coração batia tão acelerado quanto um coração que vai parar a qualquer minuto. Sem chave, sem segredo, sem cor. Não se via ódio, rancor, tampouco amor e vontades de gargalhos. Era um sombrio escuro que se deixava mostrar em lágrimas esquecidas aqui e ali.

Vontade de voltar e se afogar no mar gelado de um sul que congelou a alma antes de qualquer coisa. Não foi culpa da cidade, tampouco das pessoas. A culpa era dela por se deixar afogar. Caldos e caldos de água salgada confundindo-se com gotas de suor e malgrado. O mundo não parava para que ela adormecesse. O mundo não pararia se ela morresse.


Em seguida os dedos pararam de viver também. Não os sentia. Dedos livres, leves, apáticos, pálidos, quase roxos de um frio que vinha dentro para fora, que emanava pela água e congelava as algas passarelantes. Dedos da mão entre os cabelos curtos desesperados. Dedos do pé roçando uma areia molhada no fundo do mar. Só os peixes, peixinhos, peixões que beliscando a pele branca de marfim sentiam o gosto da morte se enfurecer, se enriquecer e finalmente tomar conta de todo o resto.

De formigamento, os membros passaram a fantasmagóricos. A respiração finalmente cedeu, e respirou sal molhado com tubarões imaginários. Doía como tubarões, presente como tubarões, mas tubarões não gostam de frio, portanto, imaginários. Não tão imaginários como as baleias que arcavam com os sentimentos dela. Aqueles primeiros que se desligaram.

Os olhos ficaram por último offline.
Era o fim da linda, da linha, do marítimo sonho de correr a cavalo pelas beiradas do mar.

Casacos

Começou com um casaco preto, mas a Déda colocou pra lavar e encheu de bolinha branca. Depois o casaco era vermelho e era só meu. Depois virou um casaco azul cheio de histórias pra contar. De repente surge um casaco roxo, tão lindo... mas fiz merda e o casaco sumiu e depois surgiu um casaco cinza que me assustou tamanho conforto e depois um casaco preto de novo que eu não usei.

Desisti de me agasalhar.

Não se morre de frio no Brasil.

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Setembro chove.

O momento mais feliz é quando a primeira gota cai no parabrisa do carro, na janela do quarto ou na flor mais alta da varanda, depois de olhar pelo vazio da rua pelando de um deserto de prédios e casas poeirentas. Era o rosto parando de crepitar e os pés alcançando as poças de lama. A água que caía era o fim de uma temporada de visitas frequentes ao hospital, era a felicidade prateada iluminada pelos faróis dos carros passando.

O primeiro trovão me arrebatou e abriu o maior sorriso da semana. Não precisava de ninguém ali. Eram os carros passando, iluminando as pistas de vento e luzes apagadas dos postes. Eram as árvores se rendendo ao frescor da primeira chuva da primavera. A espera pela chuva tinha acabado. E dos carros do lado de fora dava pra enxergar todas as pessoas sorrindo também, passando sem cuidado pelo asfalto escorregadio. A primeiro chuva, uma bênção e uma maldição, para os que acreditam em mitos mais do que eu.

Pra mim era apenas o fim do meu calor. A chuva pareceu molhar meus olhos por trás das retinas, alcançando um cérebro trespassado de provas vitais e responsabilidade descabida. Os últimos dias tinham sido ruins e quentes e eu não reclamo porque amo ter o calor e poder escolher o melhor modo de me refrescar, mas tinham sido ruins por outros fatores e o calor fazia suar minhas ideias.

Quando o primeiro pingo de chuva caiu no parabrisa do carro, na janela do quarto ou na flor mais alta da varanda, pude ver o mundo se abrir pra mim em resposta às minhas preces para Odin, Oxum, Jesus Cristo e Zeus. Todas as divindades compartilham as minhas ideias e passeiam pelas minhas dúvidas e até o primeiro pingo, tinham fechado todos os caminhos. Pareciam eles também não querer deixar o calor vazar. Quando o primeiro pingo de chuva caiu em mim, as respostas vieram e eu sabia para onde ir e o que abraçar.

Um caminho, uma oportunidade, um amor. Os caminhos se abrem à primeira gota que era pura doação de uma natureza cansada de secar. Secava tudo, sem descrição detalhada. Secava tudo. Até pingar onde eu não podia esperar. Hoje meu coração choveu com o céu.

Saí do carro depois de percorrer um caminho apressada de chuva na cara, amando estar entre a ventania e os trovões. Corri sem trancar a porta. Antes de chegar onde não chovia, parei. Olhei para trás, tranquei as portas e sem tirar o sorriso do rosto, corri para a portaria de costume, pulando a primeira poça de lama. Depois de me sacudir a roupa azul, olhei para a frente e vi o que tinha que abraçar, enfim. Larguei as coisas no chão, correndo e pulei em cima do abraço mais branquelo vestido também de azul, com o cheiro inconfundível de chuva invadindo minhas narinas, enfeitado de pequenas folhinhas caídas da árvore.

A primeira gota, a primeira chuva, a primeira resposta.
Descobri, finalmente, que na minha rua chove em setembro.
E sei que é lindo demais molhar.