quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Pega aqui.

Ana, roubei sua maçã.






Abri a carteira e não era pra achar dinheiro. Nem carteira minha era, nem dinheiro meu era. Carteira preta, reluzente, com fecho prateado e reluzente. Reluzente demais. Queria ver seus compartimentos, desisti. Mas era carteira. E preta. Ótimo.

Só que reluzente, apesar de tudo.

Mesma coisa acontece no que é perfeito. Em algum lugar da perfeição fosca, aparece a parte reluzente. Aquele brilhozinho exageradérrimo que me faz tremer nas bases. Não quero que seja tudo liso e fosco. Não precisa ser liso, entende. Basta ser fosco. O brilho, quero dar eu mesma. O enfeite que falta quero que seja minha doação.

Tenho brilho demais. Talento para a afeição.
Talento para o esquecimento.


Talento verde, aquele com castanhas do Pará.

Resolvem qualquer perrengue.

Mato.

Matei meu dedo hoje. Tudo porque ele não parava de pensar. Nesse caso, mato mesmo. Dedo não pensa, age. Dedo não se recolhe, aponta. Dedo não quebra, torna a se abrir, se desconjuntando e se conjuntando à medida que a cabeça de verdade começa a pesar. Não. Pensar. Ah, ok. Pesar também, vai.


Pensar dói! E o pensamento pensou que deveria parar de pensar nisso e acabou pensando mais e pesou. Deu muito mais de uma tonelada. Aliás, nem deu pra quebrar. O número é muito maior do que a balança digital é capaz de medir. Numa balança de ponteiro, os ponteiros desistem no meio do caminho cansados de contar.


Sério, agora.

Larguei os dedos pra trás e resolvi mexer as coisas com a mente.
Dedos, pra que te quero.

Correram direto para o banheiro, enfiaram-se no vaso e deram descarga uns nos outros.
Adoram nadar, olha que maravilha.

Sério, agora, Mirandinha.


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Conta comigo?
Claro, irmão.


Sou todo ouvidos.
Mas, se precisar de dedos, esqueça-os!
Não sei onde foram parar.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Hora.

Tudo a essa hora me irrita. O barulho da água batendo na pia, escorrendo, escorrendo, escorrendo. E, suspensa, penso nela. Parada como em fotografia, que congela sem endurecer a percepção de imagem. A gota continua molhada, transparente, brilhante e furtacor. Intacta, sem volta, sem esguicho, sem som. O som é o que mais me irrita. E penso se não existisse, imagino o silêncio absoluto como minha redenção, minha paz, meu desespero. Eternos...

Caminhei até chegar onde não queria estar e subi decerto as escadas erradas. Peguei nos livros pesados e coloridos que não queria encostar e sentei no chão quadriculado. Perdi um tempão olhando. O que não me lembro, mas olhei muito de fato. Foquei e desfoquei. A visão, mentes. E me despreparei sobre o que vinha no futuro. Desci as escadas que não queria pisar. Saí pelas portas que não deveriam ser abertas a minha passagem. Descobri a mesa ao meio, e me senti fora de mim. Eternos...


Eternos os sonhos meus. Hoje simples, simples, tranquilos. Os carregados larguei de mão. Luta árdua, luto pelo meu interior todos os dias. Toco com a mão as dores, todos os dias. E sem poder carregá-los sinto-os como se fosse eternos. Como os sonhos e como as caminhadas ao sol poente de um céu abençoado de mar. O som do mar... este não me irrita. Me alivia as penas e os pesares e os penares e os poderes todos. Os de adivinhação, tão tensos e intensos que fazem minha cabeça moribunda rodar.

Valha-me Deus Nossa Senhora. Me dê forças de mais um dia, mais um dia seguir em frente. Em meus princípios, em minhas caixas de conhecimento, em meu amor. Atribulado, amor, mas amor desde meus tempos de menina/menino. Aqueles tempos em que tinha cabelos curtos, voz fina e jogava futebol na rua até o anoitecer. Futebol, queimada e o raio que o parta, porque bete nunca me deixaram jogar. Fato que ainda tenho voz fina, mas cresci e agora sim, posso jogar. Como bem entender, nas minhas regras, delegando os fados que são meus a mim mesma e ao meu espírito corredor. Corre de mim com o diabo foge da cruz. Tadinho, todo esfulhachado, esgrinlhado e firunjido, espírito. Quer mais é se esbranquiçar e virar santo, sagrado, intocado e esquecido dentro de mim.

E valha-me gota fotografada.
Renda-se à gravidade, mas seja silenciosa ao cair na superfície metálica.
Ah, sonhos e momentos e lembranças.
Me deixem dormir. Agora e apenas.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010


Caímos.

O porto era o foco do remo, mas a esta altura o remo boiava pela água cheia de nervosismo incontrolável.

Era o vento dizendo como as coisas seriam dali para frente.



Descobri o significado da luta, mãe, dizia a pequena.
E logo se perdia nos devaneios infantis do ser ou não ser eis a questão.
Aos oito colocou a cruz nos ombros sem antes pesar.
Aos doze levantou a cruz com orgulho.
Aos quinze o vento soprava forte, a tempestade chegando.
Aos dezoito, a cruz ruíra, o tempo perdia sentido, a vida era carregada pelo suspiro cansado.


Quase vinte agora, mãe, dizia a grande.
E a mãe calada. O pai calado, a cadela resmungando.
O remédio na lata, o violão na parede, os lápis de cor novinhos em desordem pela mesa.

A caderneta de anotações anotada, desenhada, rabiscada, pesada .
O cabelo desgrenhado, o celular em silêncio, a casca a se soltar.

Mãe, me arrependa.
Pai, me repreenda.
Eu, me senta, me levanta, me cobre, me perca, me sele, me lace e me venda.


Já de manhã o sol me cega.
Já de noite o sol me nega.
Já de sempre o sol me espera.



Sozinho.