O momento mais feliz é quando a primeira gota cai no parabrisa do carro, na janela do quarto ou na flor mais alta da varanda, depois de olhar pelo vazio da rua pelando de um deserto de prédios e casas poeirentas. Era o rosto parando de crepitar e os pés alcançando as poças de lama. A água que caía era o fim de uma temporada de visitas frequentes ao hospital, era a felicidade prateada iluminada pelos faróis dos carros passando.
O primeiro trovão me arrebatou e abriu o maior sorriso da semana. Não precisava de ninguém ali. Eram os carros passando, iluminando as pistas de vento e luzes apagadas dos postes. Eram as árvores se rendendo ao frescor da primeira chuva da primavera. A espera pela chuva tinha acabado. E dos carros do lado de fora dava pra enxergar todas as pessoas sorrindo também, passando sem cuidado pelo asfalto escorregadio. A primeiro chuva, uma bênção e uma maldição, para os que acreditam em mitos mais do que eu.
Pra mim era apenas o fim do meu calor. A chuva pareceu molhar meus olhos por trás das retinas, alcançando um cérebro trespassado de provas vitais e responsabilidade descabida. Os últimos dias tinham sido ruins e quentes e eu não reclamo porque amo ter o calor e poder escolher o melhor modo de me refrescar, mas tinham sido ruins por outros fatores e o calor fazia suar minhas ideias.
Quando o primeiro pingo de chuva caiu no parabrisa do carro, na janela do quarto ou na flor mais alta da varanda, pude ver o mundo se abrir pra mim em resposta às minhas preces para Odin, Oxum, Jesus Cristo e Zeus. Todas as divindades compartilham as minhas ideias e passeiam pelas minhas dúvidas e até o primeiro pingo, tinham fechado todos os caminhos. Pareciam eles também não querer deixar o calor vazar. Quando o primeiro pingo de chuva caiu em mim, as respostas vieram e eu sabia para onde ir e o que abraçar.
Um caminho, uma oportunidade, um amor. Os caminhos se abrem à primeira gota que era pura doação de uma natureza cansada de secar. Secava tudo, sem descrição detalhada. Secava tudo. Até pingar onde eu não podia esperar. Hoje meu coração choveu com o céu.
Saí do carro depois de percorrer um caminho apressada de chuva na cara, amando estar entre a ventania e os trovões. Corri sem trancar a porta. Antes de chegar onde não chovia, parei. Olhei para trás, tranquei as portas e sem tirar o sorriso do rosto, corri para a portaria de costume, pulando a primeira poça de lama. Depois de me sacudir a roupa azul, olhei para a frente e vi o que tinha que abraçar, enfim. Larguei as coisas no chão, correndo e pulei em cima do abraço mais branquelo vestido também de azul, com o cheiro inconfundível de chuva invadindo minhas narinas, enfeitado de pequenas folhinhas caídas da árvore.
A primeira gota, a primeira chuva, a primeira resposta.
Descobri, finalmente, que na minha rua chove em setembro.
E sei que é lindo demais molhar.
E sei que é lindo demais molhar.
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